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A reorganização do centro para a recentralização (II)

Ao contrário do que muitos supuseram no final dos anos 80, o principal, o mais forte e o mais decisivo opositor da descentralização  da educação, da democratização da administração e da autonomia das escolas foi, obviamente, o poder central do Ministério da Educação.

Aprovada em 1986, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE, Art.º 45º) consagrou os ?princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo?, também no tocante à administração da educação, estabelecendo como princípio (Art.º 3º, g) ?Descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas?. Distinguiu ainda (Art.º 43º, 2) entre estruturas administrativas de âmbito nacional, regional autónomo, regional e local e anunciou a adopção de orgânicas de descentralização e desconcentração dos serviços, tendo criado como nível administrativo novo os ?departamentos regionais de educação?. Estes assumiam, contudo, uma feição desconcentrada, embora a sua evolução para órgãos descentralizados ficasse prevista, ocorrendo após a criação das regiões administrativas (LBSE, Art.º 62º, 4).
Um importante elemento de democratização da administração do sistema educativo ficaria assim dependente da futura (e até hoje adiada) regionalização do país, por forma a legitimar a existência de departamentos ou direcções regionais de educação em sentido pleno e substantivo, isto é, enquanto órgãos descentralizados e autónomos. Mas uma recepção governativa particularmente restritiva da LBSE quanto às questões da descentralização e da autonomia impediu a ocorrência de qualquer devolução de poderes nos anos seguintes, exceptuando o ensino superior.
Os trabalhos preparatórios da Comissão de Reforma do Sistema Educativo que incidiram sobre a direcção e gestão das escolas propuseram interpretações mais avançadas, embora já em pleno contraciclo face a decisões governamentais que haviam já optado por uma reorganização do Ministério da Educação com vista à reprodução da administração centralizada. Refiro-me ao novo ordenamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/87, de 3 de Janeiro.
No momento em que as propostas reformistas propunham a criação de órgãos de direcção próprios das escolas, gozando de vários níveis e graus de autonomia, advertindo para o facto de as suas propostas exigirem ?políticas de efectiva descentralização da administração educativa?, a nova orgânica optava por uma lógica modernizadora e gestionária.
Curiosamente, o diagnóstico apresentado pela orgânica de 1987 era tão crítico quanto alguns dos textos apresentados pela Comissão de Reforma em 1986/1988. Logo no preâmbulo o Ministério é considerado uma estrutura ?complexa? e ?ultrapassada?, representando um quadro ?desarticulado? e ?centralizador?. Mas chegados ao articulado concluimos que se trata de uma ?redefinição organizacional? de tipo centralizado-desconcentrado. As agora designadas ?direcções regionais? não passam de ?órgãos desconcentrados de coordenação e apoio?, de novo se remetendo para uma futura regionalização a criação de direcções regionais autónomas.
Estruturadas segundo o Decreto-Lei n.º 361/89, de 18 de Outubro, as referidas direcções são definidas como ?serviços regionais desconcentrados?, instâncias ?intermédias? entre o centro e as periferias escolares, apenas dotadas de autonomia administrativa em função da sua ?operacionalidade?.
Assim ficava definido um quadro político-institucional absolutamente incompatível com as propostas de reforma quanto à democratização, descentralização e autonomia das escolas. É certo que, à época, as propostas descentralizadoras e autonómicas não granjearam muitos apoios e que, pelo contrário, tiveram poucos defensores; embora uma década mais tarde alguns dos sectores mais críticos tivessem assumido uma boa parte delas. Em qualquer dos casos, e ao contrário do que muitos supuseram no final dos anos 80, o principal, o mais forte e o mais decisivo opositor da descentralização  da educação, da democratização da administração e da autonomia das escolas foi, obviamente, o poder central do Ministério da Educação.
Neste capítulo, o destino da reforma da administração escolar estava traçado, pelo menos em termos democráticos e autonómicos. Até hoje, como veremos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 131
Ano 13, Fevereiro 2004

Autoria:

Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho
Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho

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