DO DEBATE SOBRE A LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO SALIENTO A REORGANIZAÇÃO DOS ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO E A ÊNFASE DADA À FORMAÇÃO VOCACIONAL NO CURRÍCULO.
A proposta de Lei de Bases do Sistema Educativo apresentada pelo actual governo tem sido objecto de análise e de muita discussão pública. Entre os muitos aspectos que têm sido questionados, saliento a reorganização dos ensinos básico e secundário (e a consequente redução do Ensino Básico para 6 anos) e a ênfase dada à formação vocacional no currículo. Não vou referir-me de perto as estes aspectos mas antes reflectir em torno das lógicas que podem estar a presidir à introdução destas propostas. Em primeiro lugar, aquela proposta de alteração não é de estranhar dada a matriz neoliberal e neoconservadora das opções da política educativa deste governo. De facto, se tivermos em conta a experiência de outros países, da mesma ou idêntica afiliação política, observamos como eles também tiveram de desnudar os seus sistemas educativos de aspectos mais próximos de lógicas de educação inclusiva e democrática. Ora é disto que se trata - retirar os ?pedregulhos?, que estão presentes na actual Lei de Bases do Sistema Educativo, para haverem condições legais para pôr em marcha um novo projecto educativo e societal. Como sabemos, é no campo da Educação que se trava uma das lutas decisivas em torno dos significados, do significado do social, do significado do humano, do significado do político do económico, do cultural e do educativo. Neste sentido, a Educação torna-se um campo estratégico. É o espaço preferencial de confronto dos diferentes significados que estão a ser definidos. Desta batalha surgirão os novos significados que governarão a vida social. As recentes reformas e Políticas Educativas têm redefinido o significado da educação. No centro do debate está a tentativa de transformar a educação em simples mercadoria em oposição à tradição democrática onde a educação era um campo situado fora do alcance das operações do mercado. Educação era ainda um refúgio dos efeitos perversos do mercado assente na crença do papel nivelador da escola (apesar desta crença ter sido confrontada com as perspectivas críticas da sociologia da educação que deram visibilidade às teses da escola como uma instância de reprodução das desigualdades sociais que são reforçadas pelo capitalismo). Após a década de 80, o processo de «globalização» e o «neoliberalismo» têm influenciado todas as esferas do político, do económico, do social e do educativo. O «neoliberalismo» tem colocado, de forma algo subtil, a questão de que a escola deve ser capitalista e que deve atender às necessidades e interesses do capital, impondo, desta forma, à escola um modelo de funcionamento empresarial. Neste contexto, o Conhecimento deixa de ser uma questão cultural, ética e política para se transformar numa questão simplesmente técnica. Sendo o currículo o espaço onde se processa, se produz e se transmite o conhecimento, bem como local, onde se produzem subjectividades, ele vê-se profundamente afectado por esta redefinição. Assim o currículo é um dos alvos preferenciais das actuais reformas neoliberais da Educação. O sociólogo Stephen Ball tem vindo a chamar à atenção para o processo de ?bricolage? inerente à construção das políticas públicas, onde são visíveis as importações de ideias de outros locais, quase sempre de forma apressada e que resultam num produto híbrido marcado por influências e de interdependências múltiplas. O mesmo autor tem ainda chamado à atenção para o facto de estar a ser reconstruído um novo «currículo oculto» da escolarização, fruto da influência dos novos significados importados do mundo empresarial. Observa ainda que estão a ser transformadas a forma da oferta da educação, a experiência da aprendizagem e a natureza de cidadania. Estas questões levantam a hipótese de se estar a redifinir o próprio significado do homem.. As políticas educativas parecem ter abandonado uma lógica inclusiva de todos os cidadãos, uma vez que tem crescendo subtilmente um «darwnismo social» que favorece o grupo dos ?excluídos?. Julgo que estas reflexões são pertinentes na análise da política educativa portuguesa. Na proposta do governo de alteração da Lei de Bases, a opção pela redução do Ensino Básico para 6 anos, não só enfraquece a formação de base que o sistema de ensino deve proporcionar aos jovens, como também obriga a que mais precocemente os alunos tenham que escolher entre as vias de formação diferenciadas que o sistema oferece. Aquela e outras opções abrem o caminho para um ensino cada vez mais elitista e selectivo, onde existirão vias diferenciadas de formação e ensino assentes em currículos de escolarização que produzirão trajectórias escolares e de vida diferenciadas. Os educadores e professores têm grande responsabilidade neste período de discussão. Torna-se urgente denunciar os efeitos perversos que tal alteração pode produzir na Educação em Portugal.
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