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As resistências e práticas de oposição

A FORMA DE CONSTRUÇÃO DOS CONSENTIMENTOS ENTRE OS SUBORDINADOS E CHEFIAS ORGANIZACIONAIS PODE TAMBÉM SER UMA TÁCTICA DE TORNAR MAIS ACESSÍVEL PARCELAS DE PODER, QUE PODE EXPRESSAR-SE EM FORMAS DE DEDICAÇÃO E A ACOMODAÇÃO DEMONSTRADA AOS DESÍGNIOS DOS OBJECTIVOS DAS CHEFIAS E METAS DELINEADAS PELAS MESMAS.

Os espaços de trabalho são um campo fértil de revelação de distintas formas assumidas pelas assimetrias de poder nas organizações. Aqui se estabelecem distintas formas de resistência e/ou transgressão, onde surgem estratégias de conquista de autonomia na realização das tarefas, obtidas pelo domínio do conhecimento do processo de trabalho, estas não mais do que um garante da conquista da auto-estima e da identidade construída no decorrer da actividade profissional do trabalhador no seu território ou espaço de acção. A forma de construção dos consentimentos entre os subordinados e chefias organizacionais pode também ser uma táctica de tornar mais acessível parcelas de poder, que pode expressar-se em formas de  dedicação e a acomodação demonstrada aos desígnios dos objectivos das chefias e metas delineadas pelas mesmas.
A tendência de resistência e oposição foram substituídas por arranjos organizacionais que acabam sendo efectivos na obtenção de consentimento, complacência e subordinação.  O «consentimento é construído» e reproduzido dentro do processo de trabalho, veja-se o envolvimento dos trabalhadores no jogo de ?fazer por fora? (biscates com clientes do patrão)! Collinsson (1994) afirma que reconhecer formas peculiares de resistência torna-se tarefa extremamente difícil para alguém proveniente do exterior que não conhece os procedimentos e rotinas vividas numa empresa. Por outro lado, as descrições dos trabalhadores são muito mais oposicionistas do que as suas práticas. Em muitos casos não é o que os respondentes dizem, mas muito mais as suas práticas que revelam mais as suas tensões e reclamações em relação ao local de trabalho.
É também destacado que as resistências ocorrem com maior frequência nos níveis mais informais, níveis submersos profundamente entranhados nas práticas corriqueiras da organização. Vejam-se a título de exemplo como foi constatado pela autora, os desaparecimentos misteriosos de material no estaleiro de obras, as fofocas contadas sobre os chefes, as pequenas vinganças aos que ?comiam pelas mãos do chefe?, os cantares irónicos em língua ronga ou changana para ridicularizar os chefes estrangeiros.
Há uma particular dificuldade de obter informações sobre este tema nas conversas sobre a negociação das relações de trabalho e determinar quais os mecanismos internos usados pelas partes que conduzem ás cedências em função das assimetrias de poder presentes.
Os chefes não reconhecem a existência de focos de tensão ou de conflitos subjacentes nas interacções estabelecidas. O carácter contraditório e mutuamente relacionado do consentimento, resistência e submissão ou complacência é simplesmente condição e consequência da natureza contraditória do processo de trabalho capitalista, onde conflito e interdependência coexistem. Uma análise crítica destas características contraditórias requer uma análise do poder e subjectividade. Foi bem conhecido durante a gestão das empresas estatais que os dirigentes das empresas usavam todo o tipo de recursos da empresa para solucionar as suas necessidades familiares. Isto também ocorreu com trabalhadores de chão de fábrica que apropriavam-se de recursos materiais da empresa, usavam transportes para solução dos seus assuntos, e os clientes da empresa para fazer ?negócio por fora?.
?Os cabritos comem onde estão amarrados? é um dito moçambicano que mostra bem como os burocratas da função pública e das autarquias resolvem suas necessidades de complementação do salário insuficiente, cobrando propinas dos cidadãos ou usando trocas de favores para fazer andar os despachos mais rapidamente.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique
Maria Antónia Rocha da Fonseca Lopes
Fac. de Economia da Univ. Eduardo Mondlane, Moçambique

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