NESTES TEMPOS DE RECONHECIDA CRISE LABORAL EM QUE A LIBERDADE DE ESCOLHA É TÃO DIFÍCIL DE EXERCER NO CAMPO DAS PROFISSÕES, A REIVINDICAÇÃO DO LAZER COMO DIREITO ENRAIZADO NO TRABALHO OU COMO EXPRESSÃO DA ACÇÃO DA LIBERDADE NÃO TÊM QUE SER INCOMPATÍVEIS.
O conceito de lazer, entendido somente como descanso, está a deixar de ter sentido para abrir-se a novos significados. De facto, a revolução tranquila do lazer está a acontecer pela mudança das suas representações e percepções. Estudos realizados na última década demonstram, por exemplo, que as novas gerações concedem ao lazer um valor novo, um valor central em si mesmo. A mudança de realidade no campo do lazer está a ser entendida a partir de pontos de vista diferentes. Desde um ponto de vista puramente comercial e consumista, em que o mesmo não vai para além da diversão. As pessoas necessitam distrair-se, evadir-se da realidade, sair da rotina, ou passar alegremente os seus tempos livres. Este é o objectivo de múltiplas ofertas de lazer como viagens de férias, videojogos, concertos de música moderna, etc. O outro ponto de vista reconhece no lazer um âmbito de desenvolvimento pessoal. Esta opção parte do acto livre da pessoa. Supõe saber escolher, poder escolher e estar preparado para isso. É um tipo de lazer mais maduro que usa a sociedade de consumo, procurando não ser usado por ela. É um lazer que não surge espontaneamente, que requer preparação e que assenta em pressupostos de natureza humanista. A crescente procura deste tipo de lazer humanista sustenta-se na necessidade de realização e identificação pessoal e de grupo. Grande parte das referências sobre lazer surgidas na última década, especialmente as norte-americanas, deixam bem claro este novo caminho. O lazer deixa agora de ser um tempo que se obtém como prémio do trabalho ou de uma actividade que se leva a cabo somente para a pessoa se divertir ou descansar. Os pressupostos filosóficos do lazer nascidos nos princípios deste século, procuram agora de uma forma mais abrangente dar cumprimento ao terceiro ?D? de Dumazedier ? o ?D? do desenvolvimento. Este passa a ser entendido como experiência humana que proporciona a vivência e o desenvolvimento de valores específicos, que contribuem para a realização de cada pessoa. A satisfação e o bem estar que emana deste exercício, enquanto acção gratuita e livremente escolhida, permite relacioná-lo com o aumento da qualidade de vida dos cidadãos ou com a melhoria da sua saúde, entendida como estado de bem estar físico, mental e social. Finda que parece estar nos países desenvolvidos a sociedade industrial, assente no modelo fordista, que possibilitou o aparecimento do chamado "tempo livre", propício à difusão e ao usufruto do lazer e da recreação como património exclusivo dos grupos socialmente privilegiados, é tempo das sociedades modernas alargarem esta escala de valores a todas as pessoas. Impõe-se, por isso, uma outra visão. Uma visão de conjunto das implicações que encerram as distintas práticas e temáticas, relacionadas com o lazer, a recreação e o bem estar. Para isso, as sociedades têm que repensar quais são as necessidades e as carências dos cidadãos. É sabido que, nas sociedades mais desenvolvidas, o usufruto do lazer, a prática de actividades recreativas ou as preocupações com a qualidade de vida e o bem estar são comportamentos que explicitam uma determinada característica pessoal, mas também um outro tipo de educação e de sociedade. Assim sendo o lazer, enquanto direito específico de liberdade e de desenvolvimento humano, não pode ser entendido como um aspecto residual de vida, um luxo ou algo periférico. Ele é uma experiência necessária e enriquecedora. Um direito cívico que confere às pessoas um significado legítimo que está associado a uma certa evolução das suas aspirações sociais.
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