1.
Esta é a trégua possível, merecida, gerada no teu ventre de mulher. Beijo, adiado, a tua face, vida! E deixo, livre, o coração bater.
2.
Em teu macio olhar repousa o meu. E na face polida assim formada se reflecte e recria o próprio céu.
3.
Uma cigarra (obrigatório tropo!) canta, em teus seios pousada. Uma réstea de vida. Um quase nada. Musical e alada discípula de Esopo
4.
Um amor como este não pede mar ou praia: somente o vento leste erguendo a tua saia.
O resto é o futuro além, à nossa espreita: doce fruto maduro na hora da colheita.
10.
Tão próxima a colheita! Tão amável o dia! (Um gnomo verde espreita tua figura esguia).
Tão claro e manso o rio! Tão distante o horizonte! (Um véu de névoa e frio veste de espanto o monte.)
Tão próxima a partida! Tão cedo para a morte! (A secreta ferida da vária, esquiva sorte).
Tão para pouco amor! Tão solitário o medo! (Entre o mar e a flor, desvendo o teu segredo.)
Daniel Filipe, A invenção do amor e outros poemas, Editorial Presença.
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