Página  >  Edições  >  N.º 117  >  Setor, por que é que os bancos não pagam impostos?

Setor, por que é que os bancos não pagam impostos?

Sonhei que estava numa sala de aula. Falava aos meus alunos da actual situação da economia portuguesa e das dificuldades que a generalidade dos portugueses está a sentir. Deixei escapar, como forma de relacionar com o passado, que são os mais pobres e os mais fracos, desde sempre, os que mais sofrem com as crises. Porque não têm capacidade de reivindicação, isto é, capacidade de reclamar os seus direitos. Para meu espanto, um aluno lembrou-me que tinham sido essas, precisamente, as palavras da ministra das Finanças numa entrevista televisiva.

Nas aulas seguintes, percebi que os alunos tinham ouvido com atenção as minhas afirmações. No 7.º Ano, quando falei do Cristianismo, uma nova religião que preconizava a igualdade entre todos os Homens e que tinha como objectivo defender os pobres e os humildes, um aluno perguntou: "Setor, então a ministra das Finanças não é cristã?". Não lhe soube responder.
No 8.º Ano, quando falava da Revolução Francesa, do seu ideal de igualdade e do fim das classes privilegiadas, que finalmente tinham começado a pagar impostos, um aluno perguntou: "Setor, então por que é que os Bancos não pagam impostos?". E logo um outro acrescentou: "Setor, por que é que aqueles que ganham milhões na Bolsa de Valores não pagam impostos?". Não lhes soube responder.
No 9.º Ano, quando falava do 25 de Abril, da liberdade e das extraordinárias conquistas dos trabalhadores, um aluno perguntou: "Setor, por que é que os funcionários públicos são despedidos?". Não lhe soube responder. Quando falava dos velhos "slogans" revolucionários, que tanto ajudaram ao fim do Estado Novo, um aluno perguntou: "Setor, por que é que não são os ricos a pagar a crise?". E outro: "Setor, porquê tanta preocupação com o Rendimento Mínimo dos desgraçados quando nem sequer existe um imposto sobre as grandes fortunas?". Não lhes soube responder. Quando falava de como a Ditadura protegia os mais fortes em detrimento dos mais fracos, um aluno perguntou: "Setor, Portugal precisa de um novo 25 de Abril?". Quando enumerava as injustiças sociais do fascismo salazarista, um aluno perguntou: "Setor, o fascismo regressou a Portugal?".
Entretanto acordei, sem ter tempo de dizer mais nada. Aquilo não fora um sonho, fora um pesadelo. Mas ao lembrar-me das duas últimas perguntas, pareceu-me tudo tão real... que sei bem como lhes iria responder.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 117
Ano 11, Novembro 2002

Autoria:

Ricardo Nuno dos Santos Ferreira Pinto
Escola EB 2,3 de S. Romão do Coronado, Trofa
Ricardo Nuno dos Santos Ferreira Pinto
Escola EB 2,3 de S. Romão do Coronado, Trofa

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo