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Filhos Ilegítimos

As recentes movimentações dos inúmeros professores que, às vezes com mais de dez anos de profissão, reivindicam o direito a um vínculo e a uma carreira, voltam a exibir uma das maiores injustiças na profissão docente.

Antes de mais, porque esses professores têm sido, ao longo dos anos, efectivamente úteis ao sistema, que deles se tem servido a coberto de alegadas necessidades transitórias desmentidas pela soma dos anos. No entanto, o Ministério da Educação olha esses seus trabalhadores como uma espécie de filhos ilegítimos da expansão do sistema, tratando-os sem amparo nem guarida.

O que é mais interessante é que a completa desprotecção social e profissional de quem anda nessa vida vem sempre justificada com o facto de a outra parte contratante ser a Administração. E com a Administração, o que está em causa é algo de muito sério... Tão sério que confere a qualidade de funcionário público, não podendo, portanto, estar ao alcance de qualquer um...

Ou seja, a presunção da autoridade pública, qual fino verniz, descamba rapidamente em laxismo e impunidade, aí mesmo onde esperaríamos encontrar responsabilidade e respeito exemplares. Porque, neste particular, a diferenciação do comportamento da Administração Pública deverá residir justamente no seu carácter exemplar, e nunca, como se verifica no caso, em práticas que nem sequer respeitam as regras impostas a um qualquer empregador privado. A isto só podemos chamar pois, apropriadamente, impunidade...

Mas acresce que, para além das elementares constatações que se deixam feitas, tudo isto se passa num contexto de crise do modelo clássico da relação de emprego público, na exacta medida em que se vem gradualmente reconhecendo que os direitos fundamentais dos trabalhadores são também extensíveis aos agentes da Administração. A concepção clássica de função pública vê assim o seu quadro institucional profundamente alterado pela evolução recente do próprio direito da função pública, verificando-se uma sintomática aproximação ao regime jurídico do contrato de trabalho que, com raíz e fundamento constitucional, vigora no âmbito das relações laborais privadas. Este fenómeno de laboralização do emprego público (na feliz expressão de F. Liberal Fernandes) integra-se exactamente, no dizer de outros autores, num processo de revisão crítica da construção exacerbadamente publicista do emprego público.

Desta fugaz incursão por uma actual discussão teórica, pretendo extraír, para o caso concreto suscitado, duas conclusões. Por um lado, devemos assumir que as relações contratuais que o Ministro da Educação estabelece com estes professores não podem ser encaradas - mesmo, e sobretudo, no plano jurídico, como um seu (dele, Ministério) assunto interno, baseado no domínio sem limites da autoridade hierárquica. Por outro lado, não existe qualquer fundamento jurídico válido e sério para considerar que o direito ao trabalho, o direito à segurança no emprego e o direito à assistência material em situações de desemprego involuntário são apenas direitos fundamentais dos outros...

Rui Assis


  
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Autoria:

Rui Assis
Jurista
Rui Assis
Jurista

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