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A propósito de Paparazzi

(...) 'Posteriormente, nessa tarde, encontrei Ernest Hemingway na Censura. Parecia um urso pardo, com barba de uma semana, e deu-me uma palmada nas costas e convidou-me a passar pelo seu quarto de hotel, no Florida. Trabalháramos muitas vezes juntos nas frentes de batalha e, uma vez, ao regressarmos da frente do Ebro, no dia 1 de maio de 1938, abrandámos, ao descer a sinuosa estrada da montanha, atrás de uma camioneta cheia de jovens que cantavam e erguiam o punho direito, na sAudação republicana. Eram encantadores, com os rostos morenos a luzir ao Sol e a cantarem as canções da República, da classe operária, e Hemingway elogiou-lhes a beleza. Herbert Matthews, do New Tork Times, ia ao volante, e até ele, que era um homem sombrio e teciturno, pareceu comovido. De súbido, quando a camioneta descrevia uma curva acentuada, o motorista perdeu o controlo do veiculo, que deu uma cambalhota diante dos nossos olhos, e a cena alegra transformou-se em horror, com corpos a sangrar no chão. Matthews travou a fundo e saltámos. Não faço ideia onde Hemingway arranjou um estojo de primeiros socorros, mas o certo é que o vi logo de joelhos, a ligar ferimentos e a consolar os feridos. Trabalhamos juntos com o sangue dos moribundos nas mãos.

Reparei que Matthews passava pelo meio dos corpos e se inclinava, não para ajudar, mas sim para entrevistar os moribundos e tomar notas num livrinho. No fim de contas, era, antes de mais nada, um 'homem do times', e, até mesmo para os mais humanos dos homens do Times, os cabeçalhos sensacionalistas eram mais importantes do que a vida e a morte. A cada um as suas preferências. Hemingway estremeceu, ao ver semelhante espectáculo. 'Meu filho da puta, desaparece ou mato-te!', rugiu. depois disso, senti por ele uma consideração, um afecto que durou até hoje, pois, quando mais tarde pensei no assunto, senti que naquele momento vira o homem autêntico. Apesar da sua posse de tipo duro, era uma humanista, um partidário da humanidade.' (...)

Joseph North

in 'No Men Are Strangers' (Nenhum Homem é Estrangeiro),

primeira edição 1958


  
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Autoria:

Joseph North

Joseph North

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