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Por favor, elevem o nível educativo!
O EXPRESSO de 17 Fevereiro, p.28, deu notícia da publicação de uma tese de doutoramento sobre a história do ensino da leitura e da escrita no sistema escolar português de 1850-1974, da autoria de Carmo Gregório. Não conheço a tese, nem a autora, mas percebe-se, pelo tratamento jornalístico dado ao facto e pelas citações reproduzida, que: na tese dá-se especial ênfase ao modo como historicamente se formatou e organizou institucionalmente a iniciação à leitura e à escrita do português; o texto da tese permite fazer comentários e interpretações sobre o modo como actualmente se entende ser possível ensinar a leitura e escrita do português no ensino básico.
O que se pode interpretar das citações reproduzidas é que o debate actual sobre o ensino do português se deve reduzir a uma dicotomia: um ensino ritualizado, que promove a disciplina e o sacrifício ou um ensino lúdico, que promove a criatividade e a individualidade. É claro que logo a seguir se diz que é uma questão de peso relativo: seria preciso equilibrar, porque hoje se desvalorizaria a disciplina e o sacrifício. Como veremos mais à frente, não penso que seja assim, mas, ao mesmo tempo, fico com a sensação que, quando se procura introduzir o debate de questões complexas com um tal simplismo de recursos cognitivos e discursivos, os autores, a nova doutorada e o jornalista, estão a falar mais da escola que tiveram do que da escola de hoje.
Serve isto para chamar à atenção que a peça jornalística em causa é um boa ilustração das simplificações que o debate educativo sobre o ensino básico tem tido em Portugal. Muito do debate educativo em Portugal está hegemonizado pela necessidade de humanizar uma estrutura educativa marcada pela ética católica conservadora (o sacrifício de aprender e de ensinar!), que decorre em grande parte da nossa condição de pais e mães condicionados pela moral católica, e não tanto pelo facto de sermos educadores profissionais.
Penso que enquanto educadores profissionais as questões têm que se colocar noutros termos. Demos um exemplo da actualidade, que parece ser cada vez mais central na política educativa actual: como desenvolver um ensino por competência em oposição a um ensino transmissivo? Com base neste tópico perguntamos: onde fica o ritual e o sacrifício quando pensamos em ensino por competências? Onde fica o lúdico e a criatividade quando pensamos em ensino por competências?
Colocar as questões nestes termos parece, às vezes, não fazer parte dos nossos hábitos de pensamento. Vejamos uma boa ilustração, que nos ajuda a perceber a que nível (baixo!) as questões educativas em Portugal são abordadas. O director do PÚBLICO perguntava, recentemente, numa entrevista televisiva ao ex-Ministro da Economia Campos e Cunha, em que ponto estava a aplicação de "Bolonha" no curso de Economia da Universidade Católica. Este respondeu simplesmente que estava tudo feito, sem problemas. O distinto director, habituado a expressar muitas opiniões sobre educação, passou a outro tema, sem mais.
Numa primeira aproximação, ainda simplista, o lúdico e a criatividade poderiam estar nas situações ou nos materiais usados no ensino, que, por serem familiares ou experimentáveis permitiram, um maior à-vontade do aluno na aprendizagem. O ritual e a disciplina estariam na aquisição das regras de organização do conhecimento formal que se visaria ensinar, regras que seriam mais ou menos já dominadas pelo aluno.
Este simples enunciado permite-nos mostrar como a questão é bem complexa. Vejamos algumas perguntas aparentemente óbvias que os debates educativos em Portugal não fazem. Será que uma situação de aprendizagem é igualmente familiar a todos os alunos? Será que um dado conjunto de regras de conhecimento é dominado igualmente por todos os alunos num dado momento? Será que se consegue aprender alguma coisa quando aquilo que é novo está, simultaneamente, na situação e nas regras do conhecimento formal? Será que o familiar, quando simultâneo à situação e ao conhecimento formal, nos permite desenvolver aprendizagens transponíveis para outros contextos? Se todo o ensino do conhecimento formal se dá sempre num qualquer contexto relacional (por muito transmissivo que seja), será adequado dizer que o ensino pode ser descontextualizado quando se centra na aquisição de regras formais? O que é então contexto de aprendizagem? Qual a relação entre contexto, situação e regras de conhecimento formal para que hajam aprendizagens transponíveis, isto é, para que se desenvolvam competências?
Julgo que a resposta a estas perguntas fazem parte das preocupações dos educadores profissionais. Mas julgo, também, que com a simples explicitação das mesmas perguntas ficamos a perceber quanto os termos do debate educativo, entre mais ou menos sacrifício e/ou criatividade, está longe do essencial da educação escolar básica de hoje. Por favor, parem de simplificar a educação! E já agora, elevem o nível!

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 165
Ano 16, Março 2007

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

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