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O terrorismo começa na infância

Hipótese de Etnopsicologia

Para o começo do ano escolar

Vários conceitos são debatidos hoje em dia em relação à infância. Essa infância que começa aos quatro meses da concepção do ser humano e acaba, no dizer dos meus santos padroeiros, pelos quatro ou cinco anos. Com a entrada da criança no entendimento da História, na concepção de não ser o único na terra, nem o mais amado entre todos os seus pares e/ou membros de família. Em síntese, no entendimento de ser mais um membro do grupo social que o acolhe, ama, forma e educa ou faz dele um membro da interacção social.
Não consigo esquecer o fuzilamento de um delinquente: tinha eu cinco ou seis anos, ele, 40. Era para mim um herói nacional apenas pela tristeza que causava no meu entendimento e sentimento o poder de outros, mais bem formados, lidos e estudados ? eu tinha já lido Shakespeare, Mitos Gregos, Dickens, Neruda, Mistral, aliciado pelos doces pais de um querido lar ? face ao homicida que não sabia ler nem escrever e não tinha trabalho. O seu saber era beber e bater: o ?Tucho Caldera? ? alcunha e nome. E era o meu herói: nem soluçou na leitura da sentencia de morte dos Doutos Magistrados do Tribunal da Burguesia que comandava o país. Abandonado pelo pai primeiro, mal tratado pela mãe a seguir, um Chaplin do Século XX. A sua escola foi a rua, a luta com os iguais, a mendicidade, a fuga ao saber denominado erudito ou, como gosto dizer, ao saber público que faz de um ser humano uma entidade obediente à lei. Se assim não fosse,  seriam os orfanatos, a cadeia para menores ? escola de aprendizagem da pedofilia e da homossexualidade. Dois conceitos que os meus santos padroeiros não apenas tinham condenado, bem como denominado de aberração sexual. Talvez, até ao dia de hoje, pelos Católicos Fatimizados que habitam a nossa terra ou pelos industriais capazes ? como dizem Gracchus Nöel Babeuf no seu ?Manifeste de Plébéiens? (1785); Sylvian Marechal, no seu ?Le Manifeste dês Égaux? (1795); Marx e Engels no ?Le Manifeste Communiste? (1848) e Menchevique de Durkheim (1885) no seu manifesto ?Socialista? (1924) ? que criticam um segundo conceito: o saber dos proprietários dos meios de produção em retirar a mais valia do resultado do trabalho dos que nada têm, excepto a sua capacidade e força de trabalho e muita família que possa juntar bens e uma certa riqueza no viverem juntos e compartilharem o tecto e a panela, como diria Jack Goody em 1796.
Manifestos todos não aplicados à vida de ?Tucho Caldeira?, o meu herói. Babeuf foi guilhotinado pelo o seu manifesto, Marechal expulso do partido de Babeuf ? os Jacobinos ? e exilado, Marx na pobreza e fora do seu país, alcoolizado. Todos estes tinham começado as suas vidas num berço de ouro e acabam da forma proscrita que relato.
Porque o terrorismo nasce na infância. No meio da obediência à lei, à família, à interacção, especialmente, às ideias religiosas. As que ordenam uma subordinação que mata o inimigo, de outras ideias, os de outras práticas sociais, de outros comércios. Os que, por defenderem a sua causa divinizada, fazem o bem enquanto organizam as formas de trabalho que permitem o pensamento e a definição de outros conceitos mencionados no começo de este texto. A defesa que os pais precisam organizar, à Friedman, é estar perto do sítio no qual a sua criança cresce. A divisão do trabalho, definida em 1892 por Durkheim, passa dos liberais e socialistas aos que trabalham para sustentar a casa, aos que organizam comités de vigilância e evitam o assalto ou atropelo das suas crianças e docentes. O Direitos Humanos não apenas definem a integridade da pessoa, bem como a vida sem temor, livre, longe do medo vivido por todos nós  em datas como as do dia de hoje (11 de Setembro),  ou por outros, como eu, ainda antes.
Dickens, Shakespeare, e todos os referidos antes por mim, não são sujeitos do que a minha antiga estudante, hoje Ministra da Educação, gostava de ver: uma população capaz de entender a História pelo entendimento dos seus acontecimentos, pelo facto da arrogância de um dos seus grupos que ataca primeiro por causa de uma riqueza, ataque  esse ripostado, e a organização de um imenso grupo de países, maior do que no Século XIX que entra em luta. O Século XVII é a libertação da submissão do ser humano ao ser humano, o XIX o da delimitação de fronteiras de Países e Identidades, o XX a apropriação possível da mais valia, enquanto o XXI que começamos, a aprendizagem da defesa pessoal pelos próprios membros da família.
Arrogância e raiva que começa na infância, da forma que analisamos com Alice Miller em ?The Natural Child Project?. A criança natural é a que atropela até a sua submissão. O motor de partida é o erotismo insatisfeito que é aprendido ao entender a História. E, desenvolvido a resiliência, do que vamos tratar em outro texto.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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