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Temas e problemas em que nunca é demais reflectir [III]

No sulco do livro ?sob o signo de Einstein

1. A Tecnologia e a Ciência moderna (positiva e experimental), que lhe serve de suporte, vão resolver todos os problemas da Humanidade?! Depois da ?Revolução Industrial? inglesa (1760-1830), que logo se foi estendendo a todo o Ocidente (...), criou-se a Ilusão de que a Tecnociência (e a ?Tecnociência de Aparelho?...) poderá vir a dar resposta a todos os problemas e situações dos Humanos. Prometeica e fausticamente!... Todavia, numa avaliação crítica da problemática em causa, temos de convir que é sensata e prudente a dúvida existencial de Hamlet: To be or not to be?!
À escala da Grande História Humana, impõe-se-nos, aqui, uma Questão essencial e decisiva: a Revolução científica e tecnológica da Modernidade ocidental está desti-nada a ser assimilada e encorporada por toda a Humanidade do presente/futuro, ou ela não passará, antes, de uma ?Grande Descontinuidade Histórica?, que emergiu (quase casualmente... desde Galileus Galilei!) na Modernidade ocidental?! A nossa res-posta é simples: Se o Ocidente continuar a impor, pela via imperialista, a ?sua civiliza-ção? e o seu modo de estar no mundo, o resultado, que bem se pode adivinhar no Futuro, será, por certo, o da segunda parte da alternativa.
O moderno mecanicismo cartesiano, nas suas pretensões objectivo-objectualis-tas, que são o desígnio da moderna Revolução científica e tecnológica, preocupou-se com a construção de todo um Universo absolutamente racional. Contudo, o que ainda se nos depara é um Mundo irracional e violento, onde a gramática da racionalidade e da ob-jectividade não funciona e até se tornou suspeita, para além do facto irrecusável de que ela não é pertença senão de elites restritas. É que, em todo este Processo histórico, há ví-cios estruturais/estruturantes, designadamente: o Mecanicismo moderno alimentou a pretensão (errada...) de tudo reduzir às leis da Física, ao fisicalismo (epistémico e meto-dológico), inclusive, as leis da Vida, a Biogénese e a Antropogénese, a Psico-sociogéne-se e a Noogénese.
Em Junho de 1995, a Academia das Ciências de Nova Iorque organizou um con-gresso de mais de duas centenas de cientistas, físicos e humanistas, para debaterem o te-ma ?The Flight from Science and Reason?. A propósito, escreveu o emérito historiador norte-americano William Woodruff (in ?A Concise History of the Modern World?, Aba-cus, London, 2005 (5ª ed.), p.153): ?O poder da fé, da paixão, do misticismo, do funda-mentalismo, da intuição e do instinto, que alguns cientistas pensaram ter sido banido, es-tão de novo a actuar no lugar central. Chegaram aí, mediante um género crescente de es-crita, cultural e marcado por ideologias rácicas, o qual acusa os fundadores da moderna Ciência ocidental ? Copérnico, Galileu, Kepler, Brahe, Bacon, Newton e Descartes ? de serem ?eco-vilões??.
E prossegue o nosso investigador em História económica (ibidem): ? Críticos de ciência objectiva argumentam que a maior parte dos cientistas vê o que o Zeitgeist (o es-pírito do Tempo) lhes diz para observarem. A Ciência não é uma realidade isenta de va-lor, uma pesquisa objectiva para a verdade como um processo baconiano de comprovação experimental. Nos seus juízos intelectuais, o cientista, ao proclamar o que é e o que não é importante para a ciência, nunca está livre da influência da fé e da paixão. A sua aprecia-ção dos dados científicos depende, em última instância, da fé na existência da verdade, o que é um acto de fé. Quanto mais original for o seu trabalho, tanto mais, igualmente, vi-rão a intervir nele a fé, a paixão e a emoção. Todos os grandes passos na ciência tiveram o seu início com uma visão. [Lembre-se, aqui, o caso de Descartes]. ?A mais bela coisa que nós podemos experienciar? ? escreveu Albert Einstein em What I Believe, publicado em 1930 ? ?é o misterioso. É a fonte de toda a verdadeira arte e ciência?. Isto equivale a dizer que há um espírito que se manifesta nas leis do universo, largamente superior ao do homem ou da ciência objectiva; significa isso que o homem não pode viver só pela ciên-cia. Se é verdade que o materialismo por si só não servirá, como poderão os que se en-contram fora da comunidade científica decidir qual deveria ser o enquadramento espiri-tual, ético e moral da ciência??
É justa e pertinente a interrogação do Autor. Mas temos de verificar que ele ainda não se acha ?aparelhado? o suficiente, para lhe dar uma resposta cabal e adequada. O esti-lo esfarrapado da sua concepção e argumentação não lhe permite que o pé chegue à pega-da. É que, na Relação de fé, o ?nó cego? não se dá na referência a Objectos (sejam eles quais forem...), mas, outrossim, na referência a (outros) Sujeitos Humanos!...
O Autor acaba a sua tópica, como segue (ibidem): ? Talvez venha a emergir algu-ma espécie de holismo, uma nova unidade de conhecimento subjectivo e objectivo, am-bos místicos e racionais. A apertada e geométrica atitude cartesiana para com a vida nun-ca se estendeu para além de um relativamente pequeno grupo de intelectuais influentes no Ocidente. A maior parte da gente no mundo ainda pensa o conhecimento ? objectivo e subjectivo ? como integrado e interdependente?. Ainda bem!...
Concluindo. Precisamos, urgentemente, de abrir caminho para os horizontes da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. A Cultura (esquecida ou ignorada...) de Sócrates e de Jesus. E é muito difícil entrar nesse Templo, a não ser pelo pórtico da Dualidade Epistémica, ou seja: há duas Epistémes diferentes (qualitativa-mente): a das ciências físico-naturais e a das ciências psico-sociais e/ou humanas. (So-bre esta problemática precisa, veja-se o meu livro, editado por Alpharrabio Edições, São Paulo, em 2002, subordinado ao título: ?Honest to Gods ? Já Não... Honest to Humans ? Ainda Sim!?). É muito difícil... ? dizíamos ?, sobremaneira se pretendermos pôr termo (como cumpre!...) à sempiterna Cultura do Poder-Condomínio, a qual nunca soube nem pôde resolver os problemas nucleares entre a esfera do Saber e a esfera do Poder.

Nota: Este texto é a 3.ª de 3 partes, a 1ª foi publicada no número de Abril e a 2.ª em Maio


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 157
Ano 15, Junho 2006

Autoria:

Manuel Reis
Professor e Presidente do Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Guimarães
Manuel Reis
Professor e Presidente do Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Guimarães

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