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Desafios e Constrangimentos no Processo Educativo

Diversidade cultural

Nas últimas décadas, a sociedade portuguesa tem atravessado mudanças substanciais e algumas delas ocorridas a enorme velocidade (crescimento económico, transição demográfica, revolução e fundação do Estado democrático, integração europeia). Inúmeras vozes têm focado a singularidade do período que atravessamos. Em traços gerais, estamos perante um tempo intrigante, no qual existe uma consciência colectiva de que a queda das fronteiras, a globalização do planeta, a explosão da multiculturalidade, o exponencial incremento tecnológico, o declínio das instâncias clássicas de socialização (família, igreja e escola), são elementos desse quadro de instabilidade e de imprevisibilidade. Um dos grandes paradigmas de vivência humana que enformam hoje as sociedades contemporâneas, incluindo a nossa nação é a heterogeneidade cultural. A opinião de António Barreto (1) referindo-se às mudanças ocorridas em Portugal em relação à temática é bem elucidativa. Eis as suas palavras que enfatizam a mudança estrutural na homogeneidade cultural da nossa nação: ?Herdeiro aparente de uma só cultura, o país homogéneo, onde se falava uma língua, se rezava a um deus, se obedecia a um patrão, se seguia a um partido e se pertencia a uma etnia, está actualmente em transformação acelerada: o pluralismo de gentes e de culturas alastra nas ruas e nos campos.? (2005, p.9).
Todavia, nos dois primeiros terços do século XX em Portugal, a sociedade era relativamente homogénea em termos culturais, imprimindo uma essência de estabilidade nos diversos domínios. A partir da década de 60 ocorreu em Portugal uma emigração sem precedentes, perfazendo mais de um milhão e meio de portugueses que num período de 15 anos partiram para a França e para outros destinos europeus, e uma vaga de pessoas em sentido contrário, entrando pelas fronteiras milhões de estrangeiros através do turismo. Ocorreu, após o 25 de Abril, o retorno de cerca de 600 mil portugueses, radicados nas ex-colónias. Esse facto, trouxe consigo a vinda de centenas de milhares de indivíduos que tinham tido contacto com as culturas africanas, expressando uma profunda miscigenação cultural. A partir dos anos 90, Portugal tornou-se país de acolhimento de imigrantes oriundos de África, Brasil e da Europa Central e de Leste. Inevitavelmente, a Escola tornou-se multicultural.
A crescente multiculturalidade na escola portuguesa tem suscitado novos desafios para a Educação. Nesses desafios podemos destacar a articulação entre, por um lado, o reconhecimento das especificidades de culturas, grupos, etnias, e a exigência de condições que salvaguardem o seu direito à existência, à sobrevivência e ao respeito pelas respectivas idiossincrasias, e por outro, a necessidade de um tratamento igualitário de todos os cidadãos e de todos os grupos de cidadãos. No contexto da sala de aula passam a encontrar-se distintas formas de actuar, sentir e de pensar, resultantes das tão variadas origens étnicas e culturais. Com tal diversidade uma das críticas pertinentes levantadas é o docente tornar-se um daltónico cultural, etnocêntrico, insensível à diferença, tendo uma acção normalizadora, assente num paradigma assimilacionista, em função do estereótipo do português padrão. Assim, a acção do professor assume então contornos de grande responsabilidade, pois constitui-se como interventor na mediação entre as várias culturas, a cultura escolar, que normalmente é a dominante, e o seu próprio património pessoal de convicções.
O pluralismo cultural vigente numa sociedade configura a existência de uma panóplia de concepções e valorizações sobre o que é a pessoa, a sociedade e o mundo. As crenças e os valores adoptados por essas minorias são catalisadores de uma vivência também ela particular, à qual todos nós somos expostos e confrontados. Um dos perigos emergentes é o receio pedagógico de melindrar o pluralismo cultural, particularmente na faceta axiológica, através de um ensino objectivo de valores. Esta preocupação legítima tem um perigo: a paralisia.

(1) Barreto, António (2005), ?A ilusão magnífica?, Em Suplemento Especial Visão ?O Estado da Nação?, pp.6-11.


  
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Eduardo Nuno Fonseca
Professor do Ensino Básico
Eduardo Nuno Fonseca
Professor do Ensino Básico

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