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Utopia domesticada

Alexandre Quintanilha,
investigador e professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar,
é o protagonista escolhido pela PÁGINA
neste número de Agosto e Setembro.

Confessou-se um ?utópico domesticado?, Alexandre Quintanilha, investigador, geneticista e professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, abriu o Vº Congresso Internacional da Sociedade de Estudos Utopianos realizada no Porto. Aos presentes falou sobre clonagem genética e cultural. No final trocou algumas impressões com A PÁGINA.

?O ser utópico é um bom ponto de partida, mas confrontamo-nos todos os minutos com a realidade, portanto temos de nos adaptar àquilo que é possível e mais: às vezes descobrir que aquilo que julgávamos ser melhor afinal não é.? Daí a forma como Alexandre Quintanilha se confessa: um ?utópico domesticado?. Alguém que vislumbra a utopia com os pés assentes no chão. ?Uma das coisas que a Ciência nos ensina é que podemos ter ideias, hipóteses mas temos de as testar.? Das utopias da clonagem humana à realidade da genética, Alexandre Quintanilha procurou fazer a ponte.

Da utopia à clonagem

?Não sou contra a clonagem seja terapêutica ou reprodutiva por razões éticas, sou contra a clonagem reprodutiva por questões técnicas.? A explicação é simples: ?Acho que ainda há muito para se saber e também não há assim uma necessidade tão grande para pôr em prática a clonagem reprodutiva, afirma Alexandre Quintanilha. Pelo contrário, a clonagem terapêutica, diz o geneticista, ?pode trazer vantagens enormes ao nível da reparação dos tecidos e no que toca a essa utilização não tenho nada contra.?
Consciente de que a discussão em torno da clonagem é susceptível de gerar alguma apreensão e é ainda pouco clara para o público em geral, Quintanilha quis desmistificar perante a plateia algumas preocupações levantadas em torno desta matéria. Até porque, diz, há que ?contextalizar esses medos?.
A começar pela ideia da possibilidade da criação de ?exércitos? de clones. ?A reprodução humana funciona em 90% da população?, lembra Quintanilha. ?E parece que até dá prazer??, graceja. Para os restantes casos existem outros métodos como a reprodução assistida ou a adopção o que, segundo o geneticista, permite prever que a clonagem serviria uma percentagem muito baixa da população.
Contra a clonagem pesa também a ideia de que resulta de algo ?contra-natura?. Quintanilha responde: ?Se um coração ?acabou? devemos deduzir que foi porque a natureza o quis, então por que há-de um doente querer um transplante??
Outra das preocupações em relação à clonagem é a de que pode suportar uma atitude eugénica. Quintanilha não está completamente em desacordo com esta ideia. Na reprodução assistida, esclarece, é possível saber a constituição genética de cada embrião fertilizado o que permite a escolha de determinadas características, ?como a de o embrião não ter certa doença genética?. O problema, diz Quintanilha, é que ?as pessoas estão mais preocupadas com coisas que consideram um bocadinho fúteis como ter a possibilidade de escolher o sexo?.
Apesar de achar que a utilização da genética para a escolha do sexo deva ser desencorajada, Quintanilha confirma que está disposto a aceitá-la mediante a apresentação de fortes argumentos. ?Imagine-se um casal com seis filhas que gostava de ter um filho e decide fazer isto por reprodução assistida, será que há aí um crime enorme contra a natureza? Eu não vejo.?

Clonagem cultural

Há quem veja na clonagem um meio de desenhar o indivíduo. Mas, entre o desenho genético e o cultural ?não há muita diferença?, afirma Alexandre Quintanilha que confessa ter ?muito mais medo da clonagem cultural do que da reprodutiva?.
?A clonagem cultural já toda a gente sabe que funciona, existe há milhares de anos, somos todos produto dela?, contrapõe. A grande questão é que hoje em dia ?o DNA é visto como a alma da pessoa?, ou seja algo ?em que não se pode tocar?. Em contrapartida, ?já não achamos que a cultura seja tão importante?, conclui Quintanilha.

Sem regulamentação

Apesar de alguns partidos já terem apresentado propostas a serem discutidas sobre esta matéria, em Portugal existe um vazio legislativo na área da clonagem que Quintanilha considera ser ?perigoso?. Isto porque segundo o investigador pode ?permitir que se façam coisas que provavelmente não deviam ser feitas?.
O facto de ?haver mais ideologia? por traz destas questões do que ?propriamente um conhecimento dos riscos e benefícios que daí advêm? torna a regulamentação lenta, aponta o investigador.
?Ao passar da Ciência para a Tecnologia temos de estar convencidos de que aquilo que vamos fazer trás mais benefícios que malefícios mas não podemos prever tudo?, comenta Alexandre Quintanilha. Para o investigador há apenas uma certeza: as proibições acarretam perigos. ?Quando se proíbe qualquer coisa, em geral ela é feita noutro sítio onde o controlo é menor.?

Opiniões à margem*

Utopia e realidade
?Uma das coisas que a Ciência nos ensina é que podemos ter ideias, hipóteses mas temos de as testar.?

Ciência na Europa
?Estou muito preocupado com a Ciência na Europa em geral porque anda toda a gente a falar nos 3% [do PIB] de financiamento para a Ciência e eu não sei onde os vão arranjar, tanto mais que 1% vem dos governos e 2% das empresas privadas. E enquanto há países onde isso já foi ultrapassado, em Portugal estamos muito longe disso.?

Política ministerial de apoio à investigação
?No que diz respeito aos laboratórios associados, apesar de ter havido algum processo de adaptação durante a transição de um governo para o outro, parece-me que as coisas estão a andar sem grandes sobressaltos. Ainda assim, Portugal está a passar uma fase difícil e se calhar não vamos ter os apoios todos que julgávamos ir ter. Mas recentemente foram tomadas certas decisões sobre reequipamento dos institutos e no nosso [Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar] as coisas correram muito bem.?

*Alexandre Quintanilha


  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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