«Olho em redor e vejo os homens todos separados em grupos, cada um da sua cor. São vermelhos, são verdes, são cinzentos, alguns amarelos como o oiro, todos na mesma praça, aglomerados, mas cada um voltado ao seu quadrante.» (?Poema da Praça Pública?, António Gedeão, 1983.)
Em artigo anterior (Janeiro deste ano, o primeiro da rubrica «textos bissextos» e do ciclo "Portugal e/imigrante"), quantificámos os movimentos migratórios de saída de cidadãos nacionais (quebrou mas não cessou) e de entrada de imigrantes (cresceu e diversificou-se). Portugal vem-se transformando, à semelhança de muitos outros, num país multicultural. Um país que se está a miscigenar culturalmente. A ideia de um Estado, uma nação, uma cultura, uma língua chegou ao fim! Tomemos um período concreto, no ano de mais forte imigração ? 2001: só entre Janeiro e Agosto foram concedidas cerca de 87.500 autorizações de permanência a imigrantes originários de 134 países, isto é, 70% dos representados na ONU (recordemos que Timor Loro Sa'e foi 192º a ser aí admitido). Nesta enorme diversidade de imigrantes (legais), em termos de origem nacional, encontramos no "top dos vinte mais", quatro países do leste (Ucrânia, Moldávia, Roménia e Rússia), seis países da União Europeia (Reino Unido, Espanha, Alemanha, França, Países Baixos e Itália), os cinco países africanos de língua oficial portuguesa, três asiáticos (China, Índia e Paquistão) e dois americanos (Brasil e EUA); contudo, deste conjunto, quatro grupos se destacam: | Países de origem | Nº de imigrantes | 1º | Ucrânia | 65 199 | 2º | Brasil | 64 471 | 3º | Cabo Verde | 62 766 | 4º | Angola | 34 267 |
(Fonte: SEF, 2003)
Os dados oficiais referentes ao ano transacto, constatam o acentuar das duas mais recentes ondas imigratórias ? a proveniente dos países do leste europeu e a do Brasil. Os primeiros representam quase um quarto dos nossos imigrantes, estando o seu número global a aproximar-se dos Africanos, por enquanto ainda maioritários. Corrente populacional com tendência para se acentuar a partir da adesão dos países do Leste à UE (concretizada em 1 de Maio), pois prevê-se um movimento migratório de 3,5 milhões de pessoas para o interior dos ex-15. Quanto aos Brasileiros, estamos perante aquilo a Mª Beatriz Rocha Trindade (2000) chama de «uma imigração retribuída»; depois de uma continuada emigração para o Brasil que só se veio a quebrar nos anos 60, assiste-se agora a um movimento inverso. Se levarmos em conta os cerca de 31 mil ilegais (números avançados por altura do Acordo Luso-Brasileiro de Julho de 2003, aquando da visita ao nosso país do Presidente Lula da Silva), os brasileiros andam perto de 1% da população residente em Portugal.
No que respeita às zonas de acolhimento e afixação dos estrangeiros domiciliados no país, são bem visíveis três principais áreas geográficas ? Lisboa e Vale do Tejo (africanos dos PALOP), Área Metropolitana do Porto (brasileiros), Algarve (europeus da UE); sendo os do Leste da Europa os de maior visibilidade no interior do país. Numa escala menor: Americanos nos Açores e Venezuelanos na Madeira. Mas é a nível concelhio que são mais profundos os contrastes na distribuição dos imigrantes: por exemplo, no final da década de 90, os dos PALOP constituíam nos concelhos da Moita 9,2% do total dos residentes, na Amadora 8,7% e em Oeiras 7,3%. Bairros há em que se pode falar em guetização territorial; é o caso, entre outros, do Bairro da ?Cova da Moura?, um dos mais emblemáticos no concelho da Amadora: os primeiros ocupantes, na sua maioria retornados das ex-colónias, chegam em 1975, e desde então não deixa de aumentar ? 1.009 habitantes em 1981, 3.431 em 1985, 5.081 em 2000. Não é de estranhar que os imigrantes, e a generalidade das minorias étnico-culturais, se fixem nas zonas do litoral e, em particular, nas grandes áreas metropolitanas. São os fenómenos da assimetria demográfica, de um país a ?entornar? para o mar, e da urbanização que o relatório do Banco Mundial sobre os indicadores de Desenvolvimento (2001) bem evidenciava: de 2,9 milhões de portugueses a viverem em zonas urbanas, em 1980, passámos para 6,3 milhões em 1999 (quando nesses 19 anos, apenas houve um acréscimo de 200 mil habitantes). É igualmente nas áreas metropolitanas que se têm realizado os grandes empreendimentos públicos e os grandes projectos de requalificação urbana e que acabam por empregar maioritariamente esta mão-de-obra estrangeira: a rede de auto-estradas, Lisboa capital europeia da cultura, Expo 98, Ponte Vasco da Gama, Porto e Coimbra capitais da cultura em 2001 e 2003 respectivamente e os 10 estádios para o Euro 2004. «Com base na desigual distribuição dos estrangeiros pelo território nacional, o sociólogo Fernando Luís Machado (1999) fala no «carácter não-nacional da imigração», afirmando que «não se poderá considerar a sociedade portuguesa como multicultural» pois «o que existe são cidades ou regiões multiculturais». Será mesmo assim?
(voltarei em Fevereiro; nos próximos dois meses este espaço vai ser ocupado pelo colega Telmo Caria e os seus "Fragmentos do quotidiano de vida das Ciências Socais")
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