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Arte floral: Jogo de equilibrios

Estórias floridas

A rosa amarela

No dia em que o calendário marcava o seu primeiro mês de namoro, César comprou uma rosa amarela para oferecer a Raquel. Mas teve vergonha de aparecer em casa dela de flor na mão. Por isso deixou a rosa no banco da frente do carro. Raquel apreciou o gesto e elegeu-o como prova do amor.
Os meses sucederam-se e César continuou a oferecer rosas amarelas por cada mês de namoro somado. Fê-lo durante um ano. Entretanto algo mudou na vida de César. Deixou o emprego para continuar os estudos. Foi-se o dinheiro e acabaram-se as flores. Raquel compreendeu. Mas não pode deixar de sentir um vazio. Saudades de ouvir todos os meses a palavra ?Amo-te? proferida pela rosa amarela.

Uma flor em vida

Há quem passe toda uma vida sem receber uma flor e conte apenas com a morte para acabar com a injustiça. Dona Rosa já viu isto acontecer muitas vezes. Por isso pede, encarecidamente, a todos os que tencionarem levar um raminho ao seu velório, que antecipem a oferta. Quer receber as flores em vida, para as poder apreciar! 

Um dia especial

Era o dia mais sonhado para Cláudia: o casamento. A mãe fizera o vestido. E no bouquet, a jovem não queria gastar uma fortuna. Aliando o desejo ao gosto decidiu mandar fazer um ramo de flores do campo. Coisa simples, como ela. Uma simplicidade que Cláudia esperava ver reflectida no preço, mas que a florista insistia em encarecer. Como se a designação ?bouquet de noiva? inflacionasse qualquer raminho. Foi então que Cláudia teve uma ideia. Ocultar o efeito para que se destinava o ramo. Foi assim que pelo preço do primeiro, a jovem comprou bouquets de flores do campo. Um levou com ela pela passadeira vermelha até ao altar. Esse vai guardá-lo para sempre. O outro ofereceu à mãe que de tão comovida deixou cair as lágrimas dos olhos. Uma das suas amigas solteiras apanhou o último.

Nota: Os nomes são fictícios, as histórias baseadas em factos reais

A Linguagem das Flores

Reza a história que um viajante inglês de passagem pela Turquia no século XVIII teria ficado surpreendido com a capacidade dos turcos em exprimir sentimentos através do uso das flores. ?Aqui, pode-se brigar, censurar, mandar ?cartas? de paixão, amizade ou civilidade, ou mesmo notícias, sem nunca ter de sujar os dedos com tinta?, terá dito o inglês ao descobrir o ?código turco?, uma espécie de linguagem sem palavras.
Este costume terá chegado a França um século mais tarde. Os franceses pegaram na ideia e inventaram uma autêntica linguagem composta inteiramente por símbolos florais resumida numa publicação intitulada ?Le Langage des Fleurs?. A obra terá despertado a curiosidade dos poetas românticos ingleses. A prova talvez esteja num poema intitulado ?A Linguagem das Flores?, da autoria de Thomas Hood (1799-1845), onde se pode ler: ?Doces flores sozinhas podem dizer o que a paixão tem medo de revelar?. 
A linguagem das flores torna-se mais complexa na época vitoriana. As flores não só significam sentimentos diferentes, como passam a transmitir mensagens pela forma como são oferecidas. Quando a ideia era manifestar admiração pela beleza de uma jovem bastava oferecer uma rosa vermelha aberta. Se a rosa fosse ainda botão e tivesse espinhos e folhas dizia que quem a oferecia mantinha uma esperança em conseguir os favores da sua destinatária. Se a jovem pusesse a flor no cabelo, respondia ao seu enamorado que tivesse cautela, talvez os seus sentimentos não fossem bem aceites. Se a rosa fosse levada ao coração, o amor era correspondido.
Enquanto símbolos do amor, as rosas contam-se entre as flores que mais significados abarcam. Mesmo em relação às suas cores. As vermelhas simbolizam a paixão, as cor-de-rosa o amor sublime, as amarelas, o mistério mas também o ciúme, as brancas o amor puro e incondicional.

Fonte: Jardim de Flores, http://www.jardimdeflores.com.br

Para saber mais:
?A Linguagem das Flores?, editado por Sheila Pickles, Editora Melhoramentos, Brasil
Colors ? http://www.colors.pt

Da origem e da história

Margarida
teve origem no inglês eage de daes termo Anglo-saxão que significa ?o olho de dia?, e se refere ao modo como a flor se abre e fecha com o sol.

Orquídea
deriva do grego orchis e significa testículo, uma alusão à sua forma.

Gladíolo
a sua origem é do latim onde gladius significa espada, a forma que tomam as suas folhas.

Rosa
fósseis evidenciam que as rosas já existiam em tempos pré-históricos.

Tulipa
é uma flor selvagem oriunda da Pérsia, o seu nome porém é turco e a sua semelhança com o tulbend ? um turbante usado pelos homens  na Turquia ? foi baptizada de tulipan.

Violeta
Napoleão era fã devoto da violeta: quando casou com Josephine ela usou violetas e sempre que faziam aniversário de casamento ela recebia um bouquet daquelas flores. Os bonapartistas franceses escolheram a violeta como emblema e Napoleão foi apelidado de Violeta Corporal.

Crisântemo
chamado ?flor de campo?, a origem do nome crisântemo vem do grego Chrysos (ouro) e anthos (flor). 

Girassol
o nome deriva do grego hélios (sol) e anthos (flor), uma vez que a flor é conhecida por procurar sempre uma posição virada para o sol, mas a origem desta flor é a América central e do Sul e não a Grécia.

Lírio
tem uma origem pré-clássica, o seu nome deriva das palavras grega leirion e romano lilium.

Cravo
a designação pode ter origem na utilização que lhe era dado, o cravo era uma das flores usadas em coroas de cerimonial gregas (coroação).

Fonte: Linguagem das Flores, http://www.brasilpresentes.com.br

Arte floral

Não basta pegar num punhado de flores e atá-las. Cada flor tem o seu peso. O que faz do ramo um jogo de equilíbrios. A Etiqueta torna um arranjo adequado para uma e não outra cerimónia. O bouquet é o assessório que faz brilhar a noiva. Embora nem sempre seja visto como tal, ser florista é também uma arte.

Enrola qual canudo uma folha de coco. Verde um pouco baça em forma de «vê» Pega numa Rosa, cor-de-rosa, tira-lhe do caule as folhas mais baixas e encosta-a ao canudo. Segue-se um Antúrio vermelho ? uma flor parecida com o Jarro mas de base espalmada. E outra Rosa. Volta-se para as verduras. E o que parece um caule sem flores descobre-se ser um bambu. É dobrado no meio duas vezes e fica numa forma rectangular desalinhada. Acrescenta outra Rosa. Depois um Ipiricão ? a planta que dá origem ao chã com o mesmo nome. Algumas folhas voltam a ser retiradas dos caules. Mais uns toques. E uma nova verdura vai parar ao molhe: um verde com florzinhas amarelas, um Solidagu. A mão esquerda segura o ramo. A direita acrescenta mais um Antúrio e um Ipiricão. Uma olhadela de esguelha. E Margarida resolve puxar a folha de coco um pouco mais para cima. Apara mais umas folhas dos caules. E antes de os prender a todos, junta-lhes um Beer Grass ? uns verdes leves muito finos e compridos que se dobram como fios água a brotar do ramo para o chão. A tesoura nivela os caules. Aproxima-se o final. O laço: uma fita de sizal verde sobre uma fita de cetim amarela. A obra está completa. ?Ser florista não é só pegar nas flores e juntá-las!? Margarida Silva, vinte e tal anos entre flores e verdes, segura na mão uma obra de arte.
?Há um equilíbrio de formas e de cores que deve ser respeitado!? A arte de fazer um ramo, explica a florista com nome de flor, tem em conta os diferentes ?pesos? dos elementos florais que o compõem. O artífice é quem os consegue contrabalançar. A leveza é dada pelas cores claras e as formas alongadas. Pelo contrário, as formas redondas e as cores escuras são mais pesadas. ?Depois ? precisa Margarida ? o ramo tem de ter uma base de verdura, porque a flor não nasce sozinha?. E a largura da base tem de ser compensada por uma altura proporcional. Uma minúcia que não está ao alcance de todos. Floristas ou clientes. Além destes pormenores há outros.
Nunca deve ser descurado o efeito para que se faz o ramo. A pessoa a quem se destinam as flores (as que Margarida segura são para uma aniversariante que completa 52 anos). Ou o local para onde se faz o arranjo, o tipo de pessoas presentes e a sua disposição na sala, se vão estar sentados ou em pé. ?Tudo isto faz parte da Etiqueta?, decifra a florista. Que é como quem diz regras protocolares. Margarida conhece-lhes os rodeios.
?As flores são utilizáveis em tudo, as cores é que não!? A Etiqueta, como explica Margarida, manda que se respeitem as cores, ou melhor, que não se ignorem as suas conotações. Os exemplos roçam o bom senso. ?Seria impensável num congresso do PSD não usar flores cor-de-laranja. Ou usa-las num congresso do PS!?, diz Margarida. ?Ou então ? continua ? fazer uma coroa para depositar num monumento ao 25 de Abril sem cravos vermelhos!?    
Margarida já perdeu a conta às cerimónias oficiais que decorou com os seus arranjos. Tomadas de posse, cerimónias de abertura do ano lectivo em faculdades, recepções a reis. Mas a mais mediática das cerimónias agraciada pelo toque floral de Margarida talvez tenha sido o ramo oferecido por Carlos a Diana. O casal real fazia uma visita à cidade do Porto que coincidira com o Dia dos Namorados. Aproveitando a ocasião, o Consulado Britânico, encarregou a florista de fazer um ramo. Com o pedido seguiu uma lista elaborada pela Etiqueta onde se podiam ler que flores e cores podiam ou não ser utilizadas. ?Uma das cores que não podia usar era o laranja?, recorda Margarida. ?Não sei porquê ? adianta ? talvez a princesa não gostasse!? Permitidas estavam as Frézias e a cor lilás. O porquê, a florista desconhece. Coisas do protocolo.

Dos folhinhos à folha de coco

Mais do que bom senso ou habilidade ?ser florista exige formação?, afiança Margarida.
Para ela, ?quanto mais qualidade tem um trabalho mais exigente se tornam os clientes?. Daqui se pode concluir, acrescenta a florista que ?a exigência também acompanha a qualidade?.
O currículo de Margarida mostra que pratica o que diz. Os seus primeiros passos na arte floral foram guiados pela arquitecta Maria Manta: ?Durante seis meses ia e vinha todos os dias de Aveiro onde frequentava as suas aulas?, recorda. Tempos marcantes. Como o foram os do curso intensivo com os mestres da Casa Real Espanhola, da Escola Espanhola de Arte Floral. ?Naquela época, há 20 anos, eram os melhores!?, sublinha a florista e acrescenta: ?Agora já existem boas escolas de Arte Floral em Portugal.?
Além destes cursos, de duração mais longa, existem as demonstrações. Acções de formação mais curtas, normalmente oferecidas aos profissionais das flores por fornecedores e armazenistas. Visam sobretudo dar a conhecer novos artigos e acessórios ligados à arte floral bem como ensinar a usá-los.
Esta reciclagem técnica e artística tem uma função comercial. ?Ao colocar uma borboleta [como acessório] num ramo estou a valorizar o meu trabalho?, reflecte Margarida. ?Mas estou também a promover um produto que é vendido por um fornecedor?, constata.
O cliente sai beneficiado da reciclagem da florista. É fácil constatar. Basta pensar na sucessão de papéis que já se viram e se vêem a envolver os ramos. A folha de celofane transparente deu lugar ao papel de folhinhos, que recentemente caiu em desuso para dar lugar às bases de ramos naturais, feitos de folhas de coco ou outras. Incrementos artísticos.

Casamentos e funerais

?As flores acompanham a vida e a morte?, vaticina Margarida. Poucos minutos depois de fazer um ramo para celebrar um ano a mais de vida, pedem-lhe ?um ramo para uma senhora que faleceu?. A tradição do ramo fúnebre mantém-se. Mas caiu por terra o uso dos Lilases e da cor roxa, elementos tradicionalmente associados à morte. Margarida esclarece a razão do desuso: ?Agora parte-se do princípio que a flor a oferecer em morte seria a que mais se aproximasse do gosto da pessoa em vida!? 
É nisso que Margarida pensa enquanto decide que flores usar. Sobre uma folha de papel de seda branca coloca um feto do Gerês. Escolhe sete rosas amarelas que dispõe em forma triangular sobre a verdura. Depois coloca sobre o arranjo uma folha de papel celofane transparente agrafando-a ao papel de seda. Com uma fita cinzenta faz o laço. ?As pessoas tentam evitar o nebuloso, por isso, utilizam-se os brancos e os cinzentos nos ramos fúnebres?, elucida a florista. ?De tristeza já basta o desgosto das pessoas!?
Funerais longe da vista, o que toca o coração de Margarida são os «bouquets» de noiva. Na opinião da florista é o ramo que faz brilhar a noiva, ?por mais simples que as flores sejam?. Por isso há que ter em conta alguns pormenores a quando a sua criação. O «bouquet» deve respeitar o vestido e o corpo da noiva. A florista esclarece: ?Algumas precisam de ramos que as tornem mais elegantes, outras, mais cheiinhas!? 
O que acontece é que nem sempre as noivas querem «boquets» feitos à sua medida. Preferem copiar os das noivas das revistas cor-de-rosa. Entre os mais imitados destacam-se o ramo da Princesa Diana, os das infantas espanholas e, mais recentemente, o da noiva do futebolista Hugo Leal. ?A «Hola» é a maior fonte de ilusão?, sorri Margarida. E avisa: ?É também fonte de engano!? Já se sabe, imitam-se as flores, mas o resto é impossível! Por isso quando lhe pedem um «boquet» de noiva Margarida gosta de o fazer original. Fazer uma cópia é uma ?castração? à sua criatividade. Algo muito valioso para quem está ligado à arte.
Muito menos valor Margarida atribui a toda a simbologia criada em torno das flores e das suas cores: Rosa vermelha quer dizer isto, malmequer aquilo? ?O significado da flor é aquele que lhe quisermos dar?, observa a florista. Outra coisa será dizer que os gostos de uma ou outra flor estão ligados a certas características de personalidade. Isso, Margarida garante que é verdade: ?Tive um professor de arte floral espanhol que também era psicólogo.? As pessoas mais exuberantes gostam de flores vermelhas e altas, disserta a florista. E da teoria passa à prática: ?A menina gosta de ramos pequeninos e redondinhos, não é??


  
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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