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Generatividade e Educação

A competência em transformar matérias da própria vida e experiência em matérias educativas ? isto é, em matérias de desenvolvimento humano - é dos instrumentos mais poderosos em educação.

Já lá vão vários anos desde que realizei parte de um sonho educativo que me parece cada vez mais arredado da educação. Esse sonho tinha, como todas as formações, um assento fenomenológico não explícito no meu curriculum de estudante e na experiência profundamente sentida da relação com os muitos professores que cruzaram o meu caminho. Tinha também um suporte naquilo que veio a ser conhecido como a psicologia narrativa. Munido destes dois suportes, nenhum dispensando o outro, fiz uma escalada ao cume das melhores forças que existiam nos meus interlocutores, professores dos vários níveis de ensino. Um dos seus supostos básicos era o de que não havia qualquer livro para além de um ou outro romance ou peça literária. E os livros ou textos mais técnicos ou teóricos poderiam surgir à medida que fossem necessários e pudessem ser integradas nas formas únicas ou nas didácticas únicas de cada professor. E por isso «a bibliografia com que cada professor poderia contar era sobretudo aquela que ele próprio produzisse». À distância a que me encontro desses ricos e intensos momentos, dessas imensas e ricas narrativas, sinto nostalgia e saudade daqueles companheiros e do imenso e poderoso processo educativo que é a exploração da vida e da experiência. Interrogo-me peroradamente sobre as razões por que formações desta natureza parecem estar condenadas a ser pequenas ilhas isoladas de toda a comunicação educativa. Hoje, a memória desta experiência, quando é confrontada com os imensos pacotes de formação que por aí pululam, dos quais parece sempre estar ausente qualquer preocupação com os adultos em desenvolvimento, leva-me compulsivamente a partilhar com o leitor um corolário-crença que mantenho acerca da formação ou dos processos de educação (ou desenvolvimento) de adultos como os professores:
«Formar professores é dar um contributo fundamental para que eles se tornem mais sensíveis e competentes a criar e a gerir as tarefas do seu próprio desenvolvimento».
Numa sociedade para todas as idades como agora se clama - e muito bem - não se podem enfatizar apenas os desafios próprios às crianças e aos adolescentes, descurando os desafios próprios à vida adulta. Os professores ? enquanto pessoas adultas em desenvolvimento - enfrentam desafios raramente tematizados em educação e para os quais frequentemente os locais e contextos de formação e de trabalho não apresentam a mínima adequação. De acordo com vários autores um dos desafios mais importantes da vida adulta é o da «generatividade» e a sua contrapartida mais negativa é a «estagnação».
A generatividade prende-se na sua formulação mais conhecida com a educação e o cuidado para com as gerações seguintes. Envolve uma série de processos de anatomia complexa mas dos quais podemos destacar o papel que nela joga o desejo interior de imortalidade, a crença no merecimento da própria vida, o desejo de agência e de comunhão e as exigências culturais da própria expressão generativa. 
A competência em transformar matérias da própria vida e experiência em matérias educativas ? isto é, em matérias de desenvolvimento humano - é dos instrumentos mais poderosos em educação. E assim é porque essa transformação é em si mesmo um «acto generativo »que só os adultos mostram prontidão em realizar. Estou convicto que muitos professores entram nas formações cheios de pensamentos e até de compromissos generativos mas que acabam  na esmagadora  maioria dos casos por nunca transformarem em acções ou actos generativos esses pensamentos e compromissos, perdendo assim o sentido do seu próprio desenvolvimento. Este sentido passa muito pela percepção de que se é um ser necessário que é em grande medida o núcleo mais íntimo da própria generatividade. O pior que poderá acontecer a um adulto em desenvolvimento é o sentimento de que não é necessário e de que não é generativo. E por isso faz sentido perguntar: em que medida a formação que temos fornece ou ajuda cada professor a construir o sentimento de que é necessário?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

José Ferreira Alves
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho
José Ferreira Alves
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho

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