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"O Palco Enquanto Paixão" (Uma Conversa nos Bastidores com António Capelo)

António Capelo, actor, encenador e director da Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE) é o convidado deste coffee break. Começou a conversa falando do porquê de ser actor, afirmando que o teatro é como uma "vocação", e que em certos aspectos, há alguns anos atrás, era "quase como um sacerdócio". Vocação na medida em que "há sempre qualquer coisa que se pretende realizar como artista, mas também como ser social, como interveniente na sociedade". Entrou no mundo do teatro logo após o 25 de Abril, onde "havia uma série de valores sociais que se colocavam às pessoas, que sentiam a necessidade de fazer alguma coisa de útil pela sociedade".
Desde as pequenas aldeias de Trás-os-Montes, onde, durante as férias de verão, apresentava as suas peças, até aos dias de hoje, onde se pode ver António Capelo na televisão ou no cinema, foi uma longa e dura caminhada. "Tudo era válido", diz. Fundou, em Espinho, uma cooperativa cultural chamada Nascente, hoje a organizadora do Festival Internacional de Animação; foi actor da Seiva Trupe, formou um grupo de teatro em Trás-os-Montes, onde confessa não ter estado mais de seis meses - "Havia uma enorme carência financeira paralela à actividade teatral, o que me levava a passar fome" -; trabalhou na companhia TEAR (já extinta), deu um "salto" a Lisboa, onde ficou três anos, e, em 1990, juntamente com outros profissionais, fundou a ACE.
Esta escola, situada no Porto, forma actores e outros técnicos do teatro. E já no próximo ano lectivo, a ACE irá mudar-se de malas e bagagens para o Palácio do Bolhão. "O projecto da ACE será então aquilo que eu preconizava. Aprendemos imenso, o teatro ensina-nos muito... Aprendemos a perceber que os nossos anseios são muitas vezes completamente destruídos pelas nossas capacidades reais". Agora sim. A academia será então, num só espaço, uma escola a funcionar a tempo inteiro e o local de trabalho de duas ou três companhias do Porto. A ideia é alicerçar o projecto de formação da ACE conjuntamente com uma série de projectos que já resultaram da sua própria formação, projectos de produção que fazem com que a escola subsista não apenas com o dinheiro do Estado. "É um projecto com pernas para andar", ao qual, por graça, António Capelo chamou a casa do teatro. nessa altura, o Porto poderá contar também com um novo auditório, construído neste mesmo espaço.
António Capelo não deixou de falar na formação dos seus alunos, não se mostrando preocupado com as saídas profissionais dos mesmos, visto haver ainda imensas lacunas do ponto de vista artístico na cidade: não há oferta de teatro comercial, de teatro musical, de teatro de rua... "Há várias facetas do teatro que ainda não estão exploradas, pelo que havendo mais gente a ser formada existirá concerteza um maior número de propostas".
A escola existe há dez anos. Foi uma época de formação de profissionais, de criação de estruturas. "Agora temos de começar a pensar numa formação mais especializada (não há escolas de pantomimas, por exemplo), por um lado, e mais abrangente, por outro, porque a cidade começa a ter um maior leque de oferta de espectáculos". Por tudo isto, diz António Capelo, os futuros actores, e mesmo aqueles que já o são, vão conseguindo encontrar trabalho, até mesmo porque também na área do audiovisual - apesar de um tanto ou quanto adormecida - as coisas começarem a mexer no Porto. A propósito deste tema, Capelo diz não compreender "a inoperância de um estúdio de televisão há anos implantado na cidade", que poderia, de forma decisiva, contribuir para o alargamento de todas essas áreas.
Agora, com quase 44 anos, este actor em plena "idade da sabedoria", vai aparecendo mais vezes nos ecrãs, vocação que antes não tinha oportunidade de exercer. "Preferia ter tido hipóteses de fazer cinema aos 20 anos, mas naquela altura não se fazia praticamente cinema", confessa, ainda que reconheça estas novas experiências como parte de uma constante aprendizagem. "Não me interessa a questão da visibilidade, de ser visto ou não na televisão, mas o facto de estar sempre a aprender - e nesse aspecto a escola ensinou-me muito como autodidacta neste campo - e aprender para depois poder ensinar aos meus alunos". A verdade é que António Capelo é muito querido e respeitado pelos seus alunos, havendo mesmo quem lhe chame "mestre", uma brincadeira que tem o seu quê de verdade.

Margarida Gonçalves


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Margarida Gonçalves
Actriz
Margarida Gonçalves
Actriz

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