No cinema americano de hoje, John Carpenter ocupa um lugar singular e solitário. Por um lado, não pertence verdadeiramente à geração de cineastas-cinéfilos-De Palma, Scorsese ou Coppola-mesmo se cultiva uma autêntica relação com o passado de Hollywoood através do seu amor por Howard Hawks. Por outro não tem o perfil de "culto" de realizadores marginais como Abel Ferrara ou Tim Burton. John Carpenter não tem no cinema americano nenhuma verdadeira família, o que o aproxima de outro cineasta solitário-solitário como um Cow-boy- Clint Eastwood. mas enquanto este consegui enfim uma reputação de crítica meritória, Carpenter avança só num deserto, e dá dele uma imagem de um idealista esforçado. Ele é-o sem sombra de dúvida. Se se pretender comparar Carpenter a um realizador do passado, então talvez o mais próximo seja Jacques Tourneur. Tourneur teve que esperar pelo final dos anos sessenta como o mestre que sempre tinha sido. Muito tempo associado ao "género" demorou muito a ser reconhecido. O caso Carpenter é similar. É através do filme de "género", no final dos anos setenta, que ele encontra os seus primeiros sucessos de público e crítica. Na altura, o fantástico tinha-se tornado uma espécie de fortaleza da cinefilia, com as suas castas, as suas bandas, os seus festivais-o Rex, Avoriaz, é daqui que vem o nosso "Fantas"- e a sua multidão de contraditores. No seio deste mundo fechado, Carpentar adquire rapidamente o estatuto de realizador de referência. Mas não o suficiente para despertar a curiosidade dos profanos, salvo raríssimas excepções. Desde o primeiro filme "Dark Star" (1973), John Carpenter impõe um universo atípico que se desenha completamente em "Assalto à 13º Esquadra"(1976) o seu segundo filme."Assalto..." encarna perfeitamente o cinema de Carpenter: argumento reduzido ao mínimo, servir para um sentido absolutamente prodigioso de encenação, de ritmo e de atmosfera. Escolhendo o écran rectangular do "Scope" como único efeito, Carpenter organiza o espaço e o tempo como ninguém o tinha feito antes, inventando um mundo autónomo umas vezes abstracto outras realista. As personagens que habitam o cinema de John Carpenter opõem-se sempre a forças ameaçadoras e sem rosto, o Mal prestes a destruir o (seu) mundo. Heróis solitários e marginais, descendentes dos justiceiros do "Western" que protegem o mundo. Eles podem ser um psiquiatra depressivo-Donald Pleasence em "Halloween"(1978)- um cientista céptico "The Thing"(1982), o "Príncipe das Trevas"(1987), ou ainda um "maverick" desencantado Snake Plissen em "Fuga de Nova York 1997"(1981) e "Escape From L.A."(1996). Samuel Fuller descrevia a violência como uma experiência do olhar. Em Carpenter, é preciso também aprender a ver o mundo, ser sensível aos sinais que antecedem um desastre que podem tomar diversas formas. Filme-Chave desta relação do olhar e do sensível, "Eles vivem", obra política, marca, em 1987, o regresso de Carpenter ao seu estatuto de realizador marginal: assiste-se aqui à aliança dos excluídos, de vagabundos e "homeless", que pegam em armas para libertar o mundo de um fascismo que toma conta de tudo sob os nossos olhos. Carpenter revela-nos o verdadeiro mundo, em preto e branco, faz dos ditadores tipos tão fascistas como discretos. O filme não cede nunca à tentação paranóica da tese do grande "complot" preferindo uma meditação sobre o poder absoluto das imagens. Suficientemente consciente do perigo que por aí anda, Carpenter tenta impedir que o mundo se torne pior do que já está, descobrindo-lhe sempre uma ínfima parcela de beleza. John Carpenter é uma sentinela, guardião silencioso das nossas angústias e medos. Como Mário Jorge Torres, no Público de 22 de Janeiro de 1999, a propósito da estreia de "Vampiros" de John Carpenter, dá vontade de gritar: "O cinema clássico está morto? Viva o cinema clássico!". Paulo Teixeira de Sousa Esc. Especializada de Ensino Artístico Soares dos Reis / Porto
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