As "Origens da Cultura Popular Cubana" foi o tema que trouxe ao Porto um dos mais significativos antropólogos e investigadores de história contemporânea, também membro do conselho executivo da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO e um dos escritores cubanos mais divulgados no país e no estrangeiro. É ele Miguel Barnet, convidado para participar no recente fórum intrnacional "A Rota dos Escravos", realizado em Lisboa. Uma área de investigação ainda pouco desenvolvida em Portugal - apesar da cumplicidade histórica qu e o nosso país partilha nesse domínio - que Barnet tem explorado na sua escrita em estilo de novela biográfica. Histórias baseadas na recolha de elementos sobre acontecimentos e pessoas que marcaram a história da ilha, indispensáveis a uma melhor compreensão da realidade latino-americana e das próprias raízes da cultura popular cubana. Organizado pela Universidade Popular do Porto, a conferência não conseguiu, apesar do interesse do tema, cativar mais do que cerca de quarenta pessoas. Na sua comunicação, Miguel Barnet começou por falar da origem dos escravos que ajudaram a povoar Cuba no princípio do século XVII, a maioria dos quais, a julgar pelo actual mapa político de África, tinha a sua descendência em países como Angola, Moçambique e outras regiões do sul do continente, predominantemente da costa ocidental. A partir de 1868, altura em que a escravatura é abolida, o "trabalho escravo" passa a ser efectuado por imigrantes provenientes de locais tão longínquos como a China e a Índia, que ajudaram a forjar, juntamente com os colonizadores espanhóis e europeus e os próprios habitantes nativos da ilha, aquilo que hoje é a identidade cultural cubana. Mais de um século depois, no entanto, e apesar do carácter humanista que impregna a revolução cubana, Barnet lamenta que a xenofobia face a certos grupos minoritários se encontre ainda presente numa sociedade marcadamente heterógenea. E como é entregar-se à produção artística numa ilha onde mesmo os bens mais essenciais escasseiam? Na voz de Miguel Barnet presidente da União de Escritores e Artistas de Cuba, os músicos e os artistas plásticos são dos poucos que conseguem ir vivendo com um certo desafogo, nomeadamente por muitos deles terem uma relativa projecção no estrangeiro. Para os escritores a vida já não é tão fácil. Além de precisarem de um segundo emprego para poderem dedicar-se à produção literária, atinge-os o problema surrealista da escassez de papel na ilha. Como consequência, explica Barnet, "já não se editam tantos livros como há sete ou oito anos atrás". No cinema ocorre um fenómeno idêntico: aos três ou quatro filmes produzidos actualmente por ano, essencialmente documentários, contrapõe-se as mais de vinte longas metragens realizadas ainda há menos de uma década. No que toca à Educação, Barnet fala de uma fase de reforma. O estudo das raízes da cultura popular nacional, por exemplo, é uma das áreas de estudo que está em vias de ser introduzida como disciplina curricular. Mas qual a reforma possível num país onde as infraestruturas vão-se degradando a olhos vistos e onde escasseia o material escolar? A solidariedade de organismos governamentais e não governamentais de países terceiros, inclusivamente de estruturas sindicais como o Sindicato do s Professores do Norte, são a saída possível para uma situação que Barnet define como "gesta heróica". Apesar desta e de outras dificuldades com que se depara o ensino na ilha onde falta o papel, não foi encerrada qualquer escola e as universidades continuam a desenvolver investigação. Miguel Barnet diz ainda que foi grande alegria que recebeu a notícia da entrega do prémio nobel da literatura a José Saramago. Um escritor conhecido e reconhecido em Cuba, a tal ilha onde falta papel. "Um acto de enorme justiça. Não só pela mas pelas preocupações humanistas que revela, mas por ser um também um crítico face à hegemonia dos poderes do estado e da igreja", diz Barnet. Um prémio à língua portuguesa "inteiramente merecido" e uma pequena vitória para a causa cubana: afinal, Saramago é "um grande amigo da nossa revolução". Ricardo Jorge Costa
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