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Nem a Diana se lembra da palavra "tipógrafo"

Quando pegamos num livro, ou mesmo num simples envelope ou em qualquer tipo de papel timbrado que utilizamos no dia-a-dia, raramente pensamos em todo o trabalho presente por trás da sua concepção. Apesar dos processos de impressão, corte, colagem ou embalagem serem cada vez mais realizados através do recurso a técnicas e a maquinaria moderna, são tarefas que nunca poderiam ser efectuadas sem a arte e a experiência dos técnicos que as manuseiam.
Feliciano Pereira é um desses artistas. Começou a trabalhar nas artes gráficas quando era apenas um miúdo de treze anos, a princípio como moço de recados, mais tarde aprendendo os segredos do ofício que acabaram por lhe garantir um lugar na empresa. Quem conta esta história é a Diana, uma menina de onze anos com expressão de sol quando sorri, que aceitou falar à Página sobre a profissão do pai.
Numa definição simples, a Diana diz que o trabalho do pai consiste em "pegar em muitos papéis ao mesmo tempo e imprimi-los numa máquina muito grande, com mais de sete metros". Depois é só ir controlando o processamento manualmente, ajustando aqui, dando mais cor ali. Claro que antes disso é preciso programá-la e introduzir o papel "muito certinho" nas guias da máquina. E se não houvesse técnicos como o pai, como era? "As pessoas tinham elas próprias de cortar o papel e ficava todo aos ésses". Com aquela máquina não: "fica tudo direitinho...".
O pior é quando surgem imprevistos e o trabalho fica todo estragado. Nessas alturas, conta a Diana, o pai tem de recomeçar tudo de novo. "Uma vez ficou muito chateado porque já ia muito adiantado e tinha de entregar uma encomenda nesse dia". E quando se lida com bancos, restaurantes ou postos de saúde, como é o caso da empresa onde ele trabalha, "eles podem ficar aborrecidos porque já não podem escrever cartas, convites ou fazer embrulhos".
Nos dias de maior azáfama o pai da Diana chega a trabalhar 24 horas seguidas. Um período de trabalho muito longo que pode, ocasionalmente, levar a distrações fatais. Como uma vez em que ia ficando sem os dedos de uma mão por causa de uma guilhotina. E se o azar não lhe bateu à porta por pouco, o mesmo não pode dizer um colega de trabalho que acabou por ficar decepado. Para prevenir mais acidentes e dar uma resposta mais eficaz às solicitações dos clientes, a empresa onde o pai trabalha comprou recentemente uma máquina mais rápida e segura, com a qual a filha garante que teve de aprender a trabalhar num só dia. "É a mesma coisa, só que é nova e melhor", diz a Diana.
Apesar de admitir que deve ser cansativo, ela assegura que o pai gosta muito do trabalho que faz. "Senão já tinha mudado", diz com o ar mais natural do mundo. O dia começa invariavelmente às oito da manhã para só terminar muitas vezes por volta da meia noite. O horário "verdadeiro" é até às cinco, mas a Diana explica que ele fica a fazer horas extra "para ganhar mais um bocadinho".
O que vale é que utiliza o carro para se deslocar para o emprego. "Se tivesse de andar de autocarro nunca mais chegava a casa, porque o trabalho dele é longe, na Maia". Mesmo assim, nem sempre consegue chegar a tempo. Especialmente nos dias em que a mãe perde a camioneta e o pai tem de levá-la ao local de trabalho ou quando apanha trânsito. "Mas ninguém ralha com ele porque já trabalha lá há muitos anos".
Com um horário tão preenchido, ela só vê o pai de manhã e aos fins de semana. "E às vezes à sexta-feira à noite, quando espero por ele antes de ir para a cama". Nessas alturas, pai e filha aproveitam para brincar e para pôr a conversa em dia: como corre a escola, que nota teve neste ou naquele teste, ou sobre as aspirações da Diana. "Gostava muito de ser professora de informática, para tratar de problemas relacionados com os computadores e isso tudo...".

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 76
Ano 8, Janeiro 1999

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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