Quando em 1961 o CITAC de Coimbra fez representar A Rabeca, numa encenação entusiástica de Luís de Lima, começou a definir-se logo o trajecto teatral de Prista Monteiro que o levaria a ser considerado, anos mais tarde, como o mais admirável dramaturgo de um teatro do absurdo praticado em Portugal, na soma de muitas peças e, sobretudo, na estranheza de muitas delas nunca até hoje terem sido representadas, apesar da qualidade estética de um teatro feito com uma devoção partilhada entre a coerente prática literária e dramatúrgica e a sua carreira médica, mas que soube colocar a profissão acima dos seus interesses e paixão teatral. Se não fôssemos o País decimal em tudo como somos, onde ganham foros de existência muitos daqueles que se colocam em bicos de pés e nem sempre os que, pelo correr dos anos, não deixam de fazer um trabalho sério e exigente, amassado nas angústias e incertezas de não saberem o que poderá acontecer ao seu próprio trabalho criativo, porque há outros que apanham a carruagem e avançam em diferente velocidade, que não é tantas vezes a mais aconselhável ou necessária, a situação da obra teatral de Prista Monteiro tinha conhecido outra importância e fora dos reduzidos círculos em que se sabe que existe. Porque a sua atitude literária, marcada por uma criação teatral que soube aprender, e isso nunca enjeitou, na linhagem de grandes mestres, como Beckett, Ionesco ou Adamov, chegando mesmo a confessar que, depois de ver À Espera de Godot, escreveu Os Imortais em 48 horas ('fiz essa peça debaixo da sublime agressão que o Beckett exerceu sobre mim'), sempre se pautou, nas quase duas dezenas de peças que deixou, como já observara Urbano Tavares Rodrigues, por'uma acerada ironia, uma angústia mansa e uma infantilidade procurada ou aparente', é isso mesmo que faz mover e reviver, no meio de conflitos cruzados e num humor bem encontrado, os vários fantasmas de uma evidente frustração humana que percorre a escrita teatral de Prista Monteiro desde A Bengala e O Fio até ao mais recente Auto dos Funâmbulos. Mas, relendo uma sua derradeira carta a José Régio, no In Memoriam pelo grande poeta de Cântico Suspenso, sei ainda como se pôde aliar, numa amizade sincera de largos anos, a algumas das suas posições literárias e mereceu de Régio, como não recebera de outra gente, a palavra justa de entusiasmo e compreensão pela sua criação teatral. E foi nesse convívio, em Portalegre, Lisboa ou Vila do Conde, que Prista Monteiro ganhou forças e estímulos bastantes para consolidar o seu teatro absurdo e nas últimas peças mais consentâneo com uma certa realidade da vida, nas contradições sentidas ou pressentidas de tudo se fazer nos altos e baixos dos seus contratempos, mas que nunca lhe fizeram perder a inocência ou ingenuidade como encarou o mundo em seu redor. Na medicina, na vida e também no teatro. Porém, pela dimensão do reportório que nos legou, nas muitas peças ainda por representar para assim se conhecer a sua capacidade criativa na prova dos nove que é sempre a verdade do palco, aqui ou em qualquer parte, Prista Monteiro situa-se por direito na linha de dramaturgos portugueses que, depois dos anos 60, souberam construir um teatro realmente moderno e participativo, como acontece nas peças de José Estêvão Sasportes, Augusto Sobral, Jaime Salazar Sampaio, Manuel de Lima e outros, que têm conhecido talvez a mesma sorte - fizeram e escreveram peças que apenas existem como livro e não obra representada nos palcos dos nossos teatros. Serafim Ferreira
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