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Voltemos à Voz

Depois de dois meses de ausência, voltemos à voz. Se reparou, caro leitor, nos dois últimos números de A Página, o articulista (ego) andou pelas artes marciais (entrevista a Mestre Tran) e pelo marxismo (homenagem a Henri Lefebvre).
Bem, sobre estas andanças muito havia a escrever, o que daria páginas e páginas à Página. Por agora, deixe-me perguntar-lhe apenas: nunca teve um local secreto? Um daqueles que só você conhecia, você e o seu amigo invisível ou a sua bonequinha de trapos?
Ou: nunca teve um desejo secreto, um daqueles que só o seu grande amigo (visível) conhece? Desejo esse que você nunca conseguiu realizar ...... mas, enfim ...... um dia ....
Sabe o que é preciso fazer?
Não sabe?
Então vou-lhe contar uma história.
Matajuro, filho de um célebre Mestre de sabre foi renegado pelo seu pai que entendia que o trabalho do seu filho era demasiado medíocre para fazer dele um mestre.
Matajuro que tinha decidido apesar de tudo tornar-se um mestre de sabre partiu para o monte Futara para se encontrar com o famoso Mestre Banzo. Mas Banzo confirmou o julgamento do pai: 'tu não preenches as condições'.
- Mas se eu trabalho tão duramente, quantos anos vou levar até me tornar um mestre?, insistiu o jovem.
- O resto da tua vida, respondeu Banzo.
- Mas não posso esperar tanto tempo. Estou pronto a sofrer tudo para seguir o vosso ensinamento. Se me tornar vosso servidor devotado, quanto tempo vou levar?.
- Talvez dez anos.
- Mas sabe, o meu pai está a ficar velho e eu tenho de tomar conta dele. Se trabalhar cada vez mais intensivamente, quanto tempo vou levar?
- Oh, talvez trinta anos.
- Mas o que significa isso? Primeiro dez, agora trinta? Acredite-me, estou pronto a suportar tudo para dominar esta arte o mais depressa possível.
- Bem, nesse caso terás de ficar setenta anos comigo. Um homem tão apressado em obter resultados não pode aprender rapidamente, explicou Banzo.
- Muito bem, declarou Matajuro - compreendendo enfim a sua impaciência - aceito ser vosso servidor.
Matajuro teve então de nunca mais falar de esgrima, nem sequer tocar num sabre. Servia o Mestre, preparava-lhe as refeições, ocupava-se do jardim, e tudo isto sem balbuciar uma única palavra sobre a arte do sabre. Nem sequer estava autorizado a ver os outros alunos a treinar.
Três anos se passaram.
Matajuro trabalhava sempre e meditava na sua triste sorte de não ter a possibilidade de estudar a arte à qual havia decidido consagrar a sua vida. Ora, um dia, quando fazia o trabalho de casa, ruminando nos seus tristes pensamentos, Banzo deslizou por trás dele em silêncio e deu-lhe uma terrível estocada com um sabre de madeira. No dia seguinte, enquanto Matajuro preparava o arroz, o Mestre atacou-o outra vez inesperadamente. A partir desse dia, Matajuro, tinha de se defender dia e noite contra os ataques surpresa de Banzo.
Para não sofrer os ataques do Mestre, Matajuro mantinha-se vigilante a todo o momento. Aprendeu tão rapidamente que a sua concentração, a sua rapidez e uma espécie de sexto sentido permitiram-lhe em breve evitar os ataques de Banzo. Um dia, menos de dez anos depois da sua chegada, o Mestre anunciou-lhe então que não tinha mais nada a ensinar-lhe.
Percebeu? É sempre tempo de começar. Quer que repita?
É sempre tempo de começar, seja onde for e em que tempo for.
Quer voltar à voz? Esteja atento ao próximo número da Página.

Guilhermino Monteiro


  
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Edição:

N.º 69
Ano 7, Junho 1998

Autoria:

Guilhermino Monteiro
Escola Secundária do Castêlo da Maia
Guilhermino Monteiro
Escola Secundária do Castêlo da Maia

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