Página  >  Edições  >  Edição N.º 202, série II  >  A História do Homem

A História do Homem

É natural que as mulheres venham a ter representantes de referência entre os grandes historiadores, mas até agora não tiveram. A História tem sido uma visão masculina e terá de vencer a distorção de género.

Heródoto (485-420 a.C.) é considerado, em geral, no Ocidente, o “pai da História”. Esta disciplina tem mantido um traço que lembra a fragilidade das Ciências Humanas. A História é a mais global de todas as disciplinas. É também inevitável: não se concebe uma inexistência da História, porque as nossas sociedades não são repetições (como as de insetos). As sociedades humanas têm revoluções, mutações, guerras, invenções, líderes.
Na constituição de uma “visão do mundo” que a todos atinge, a História tem uma influência enorme. Físicos, químicos, matemáticos, cidadãos de qualquer profissão, manifestam grande fascínio pela História. Mesmo aquilo a que chamo “histórias internas” (da Matemática, da Física, da Química, etc.), sendo produzidas por especialistas dos respetivos ramos, integram depois a História geral.
Somos o que somos pelo que fomos, daí que nós próprios tenhamos uma “história” a que chamamos curriculum. A História é um saber estruturante e constitui o que em alemão se designa por “Weltanschauung”, orientação cognitiva do indivíduo a nível de valores e normas. Quer isto dizer que, muito provavelmente, ao fornecer ao indivíduo a sua “Weltanschauung”, a História é a disciplina que mais o molda.

Falhas de rigor. Nos últimos anos, com as transformações vertiginosas da sociedade planetária, o tempo ganhou densidade. Não é o mesmo um século agora ou o que foi em 1100, 1200, 1300 ou 1400. Basta pensar que, desde há cerca de 100 anos, surgiram a lâmpada elétrica, o automóvel e o avião; a Medicina avançou tremendamente e houve a revolução informática. Em 100 anos, verificaram-se várias “invenções da roda” – a fotocópia, por exemplo, foi uma espécie de reinvenção da imprensa.
Depois de começos prometedores, as Ciências Humanas têm dificuldades explicativas. Como alguém disse, vivemos num mundo em mudança no qual as mudanças mudam. Sendo assim, a Linguística, a Sociologia, a Ciência Política, passaram a inovar pouco. A Antropologia, concebida como estudo das sociedades primitivas, deixou de ter objeto. E a Economia vacila.
As Ciências Humanas e Sociais deveriam ser repensadas em termos de estatuto epistemológico? Serão ciências? Parecem muito mais “sabedorias”, pois não são desconhecimentos. Mas têm falhas de rigor, dividem-se em correntes antagónicas e chegam a defender impossibilidades práticas (o Direito encaixa aqui). A Economia, hoje tão decisiva na tomada de decisões políticas de tipo global, erra, por vezes em escalas de milhares de milhões, o que parece pouco consentâneo com a importância de “prever”, algo que uma ciência deve ser capaz de fazer.

Visão masculina. A História, sabemo-lo, tem caraterísticas curiosas. É escrita por quem vence e, de entre os “vencedores”, pelos que podem. E essa disciplina estruturante, e até inevitável, revela outro aspeto curioso. Ao lermos os grandes historiadores – aqueles que geram “imagens do mundo”, porque também há uma “pequena” história, que tendo o seu valor é mesmo isso: pequena – lembramo-nos de algo estranho. As grandes escolas de História do Mundo (como a Britânica) estão cheias de autores de enorme valor. Podemos citar Martin Gilbert, Ian Kershaw, Antony Beevor, Laurence Rees, John Keegan, Richard Overy e muitos outros...
Nos Estados Unidos, Frederick Jackson Turner é considerado uma espécie de Heródoto. Outros historiadores, como os franceses Fernand Braudel ou Marc Ferro, têm inequívoco lugar de relevo. Na História da Educação, destaca-se James Bowen e a sua monumental «A History of Western Education», bem como Mario Alighiero Manacorda. Mas na população humana há mais mulheres do que homens. Por razões que a própria História explica (como as guerras), é assim. Tal como noutras áreas do saber, é natural que as mulheres venham a ter representantes de referência entre os grandes historiadores. Mas até agora não tiveram. Até hoje, História é uma visão masculina e terá de vencer essa inevitável distorção de género que vem desde Heródoto.

Carlos Mota


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo