Quero focar alguns debates recentes sobre a educação profissional e, em particular, certos desenvolvimentos e propostas para o Ensino Secundário. E quero fazê-lo tomando como mote o novo protagonismo, em certas instâncias da União Europeia e no nosso país, do modelo de ‘aprendizagem dual’ alemão, que alguns insidiosamente confundem com o sistema dual
A Comissão Europeia apresentou em novembro de 2012 uma comunicação intitulada “Repensar a educação. Investir nas competências para melhores resultados socioeconómicos”, em que a imparável subida do desemprego, em particular jovem, é uma vez mais utilizada para perspetivar a Educação como infraestrutura da economia e do emprego e minimizar as suas dimensões cultural, cívica e política. Entre outros aspetos, o texto: A. omite, contra toda a evidência, a crise económica destruidora de empregos como causa do desemprego, para responsabilizar os sistemas de educação e formação; B. valoriza certas modalidades de educação profissional com o argumento de que apresentam melhores resultados no acesso dos jovens ao emprego; C. procura diminuir o financiamento público (isto é, pela sociedade no seu conjunto) da educação dos jovens, em particular dos mais desfavorecidos economicamente, convocando outras entidades a assumi-lo, esta última tendência é acompanhada pela abertura à desescolarização daqueles públicos, atribuindo a sua educação e formação a outras instituições, geralmente privadas, que não as escolas.
Desde essa altura, foi lançada pela Comissão Europeia a iniciativa European Alliance for Apprenticeships (Aliança Europeia para a Aprendizagem), que tem como traço forte a promoção do sistema de aprendizagem dual alemão. Como regista uma notícia recente no The Economist (www.economist.com), o sistema de educação dual é o mais recente sucesso alemão de exportação, “ainda que o sistema existisse na década de 1990, quando a Alemanha era o ‘sick man of Europe’ e tinha elevada taxa de desemprego”. Em Portugal, assistimos à (re)descoberta da aprendizagem dual pelo MEC, confusamente sugerida como modalidade nova de educação profissional ou designada como sistema dual alemão. No nosso país, o Sistema de Aprendizagem (dual) é uma fileira de educação profissional tutelada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional há quase 30 anos (desde 1984). O sistema dual (alemão) é toda uma outra realidade: trata-se de uma estrutura do sistema educativo – alternativa à que é a opção da sociedade portuguesa, inscrita na Lei de Bases do Sistema Educativo – que, entre várias dezenas de países na Europa, é adotada por apenas cinco (Alemanha, Áustria, Luxemburgo, Holanda, Suíça). Ora o sistema dual alemão tem, entre outras, a caraterística de se revelar uma tecnologia com provas dadas na reprodução social e na contenção da mobilidade social através da Escola. Esta potencialidade do modelo dual de sistema educativo pode ser observada atentando nas elevadas taxas de diplomados com Ensino Secundário na Alemanha, a que correspondem taxas de frequência do Ensino Superior abaixo da média europeia e da OCDE. Assim, na Alemanha, 86% da população (25-64 anos) completa o Ensino Secundário, acima da média da UE (75%) e da OCDE (74%); em contrapartida, a taxa de diplomados com Ensino Superior – 27% da população entre 25-64 anos e 26% da população entre 25-34 anos – fica abaixo da UE (28% e 35%) e da OCDE (31% e 38%) [Education at a Glance 2012: OECD Indicators]. Podemos perguntar, na sequência, como se entende que o país mais rico e poderoso da UE não forme engenheiros na quantidade necessária e precise de os importar de países austerizados e empobrecidos, como Portugal e Espanha? A resposta é o sistema dual alemão, de que o modelo de aprendizagem dual é componente estruturante. Porquê? Porque o sistema dual alemão canaliza precocemente uma boa parte das crianças para fileiras de cursos em que as expectativas e as trajetórias escolares dos jovens os desencorajam de prosseguir estudos longos no Ensino Superior e, designadamente o sistema de aprendizagem dual, não os capacita para tal. Portanto, os decisores da UE e o governo português descobriram recentemente o que há muito a investigação educacional e os relatórios de organizações internacionais registam: o modelo de sistema educativo dual, com fileiras separadas desde o final do ensino elementar (após quatro ou seis anos de escola), tende a acentuar a reprodução da estratificação social e a minimizar as expectativas e a concretização de mobilidade social. Por outro lado, estas últimas são encorajadas e fortalecidas pelo modelo de escolarização comum até ao final da adolescência (14-15 anos), que é largamente dominante na Europa e parece ter maior potencial de atenuar as desigualdades socioculturais de partida e ampliar as oportunidades educacionais dos públicos economicamente mais desfavorecidos [Indicadores Educacionais em Foco – OCDE, 2012]. Como sublinha a OCDE: “Na maioria dos países da OCDE, a mobilidade ascendente intergeracional na educação é mais comum do que a mobilidade descendente – em outras palavras, a percentagem de jovens adultos que alcança um nível mais elevado de educação do que os seus pais é maior do que a percentagem que atinge um nível mais baixo. No entanto, este não é o caso na Alemanha, onde 20% da população não-estudante entre 25-34 anos alcançou um nível mais elevado de educação do que os seus pais, e 22% das pessoas neste grupo alcançaram um nível mais baixo (média da OECD: mobilidade ascendente de 37%, 13% de mobilidade descendente). A Estónia e a Islândia são os únicos outros países da OCDE em que a mobilidade descendente intergeracional na educação prevalece sobre a mobilidade ascendente. (…) Em algum grau, a prevalência de pessoas na Alemanha que alcançam não mais do que um nível médio de educação reflecte o ‘sistema dual’ do país, em que o ensino secundário profissional desempenha um papel proeminente. A Alemanha tem taxas comparativamente altas de certificação de nível secundário há anos” [Education at a Glance 2012: OECD Indicators].
Fátima Antunes
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