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Que preocupações revelam os canais de TV relativamente às crianças?

Um aspecto relevante refere-se aos horários dos blocos de programas para a infância ... os canais tendem a programar o grosso dos conteúdos direccionados aos mais novos em horários em que eles estão maioritariamente fora de casa...

Cerca de um terço dos 3283 programas televisivos para a infância analisados por uma equipa do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho possuíam conteúdos educativos. Para quem acha que o panorama das nossas televisões é, em geral, deprimente, aquele valor pode ser considerado interessante. Para quem, pelo contrário, se bate por uma televisão toda ela pautada por preocupações educativas, um terço é desanimador. É, afinal, a história do copo com água até meio…
O estudo[1], no qual o autor destas linhas também colaborou, incidiu sobre o período que vai de Outubro de 2007 a Setembro de 2008 e envolveu apenas os quatro canais de sinal aberto, a RTP1, RTP2, SIC e TVI. Foi encomendado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, através de um concurso junto de centros de investigação da especialidade.
A importância de conhecer as ofertas televisivas para os mais novos não carece de demonstração, a não ser que consideremos anódina a experiência televisiva. Esta, quando medida pela sua duração, aponta para um tempo médio diário de consumo não longe das três horas diárias (171 minutos) para o grupo etário dos 4-14. Mas as assimetrias são significativas: as raparigas vêem bastante mais (233 minutos) do que os rapazes e as crianças dos meios de menores recursos sociais bastante mais (acima das quatro horas por dia) do que as originárias das classes média e média alta. Um factor de peso nesse consumo está nas telenovelas em geral e nas telenovelas juvenis em particular, um fenómeno implantado na última meia dúzia de anos pelos dois canais privados, mas especialmente pela TVI, com “Morangos com Açúcar”.

Que nos dizem, então, as conclusões do estudo, para além dos aspectos já observados?

Os canais revelam uma certa ‘especialização’ por idades: a RTP2 (e, secundariamente, a RTP1) atendem de modo especial os pequenos em idade pré-escolar; a SIC direcciona-se sobretudo para o grupo dos 6 a 10 anos e a TVI a partir dos 10. Neste quadro não será de admirar que a programação de conteúdos educativos esteja sobretudo centrada nos dois canais públicos (no segundo canal ultrapassa mesmo os 80%).
A esmagadora maioria dos géneros de programas assenta na ficção e, em especial, nos desenhos animados. Além das novelas juvenis, já referenciadas, é de destacar a aposta que a produção nacional tem feito também em séries de aventura. Negativa é a pouca atenção dada a programas informativos adaptados às necessidades específicas dos mais pequenos.
Um aspecto relevante refere-se aos horários dos blocos de programas para a infância. De novo com excepção da RTP2, os canais tendem a programar o grosso dos conteúdos direccionados aos mais novos em horários em que eles estão maioritariamente fora de casa, o que não deixa de ser revelador da consideração que, por vezes, existe do serviço que deveria ser prestado às famílias. As lógicas de confecção das “grelhas” de programas são, de facto um enigma, ou não tanto: a SIC, por exemplo, decidiu, no período em análise, suspender durante quatro meses sucessivos os seus programas para crianças nos dias úteis, como se não existisse um compromisso tácito seu para com a sociedade. E a TVI, por sua vez, tem-se dado ao desplante de inserir, ao sábado de manhã, um programa de wrestling no meio dos desenhos animados!
Uma outra nota conclusiva, esta de tom mais positivo: ao contrário do que ocorria uma década atrás, os programas oriundos do Extremo Oriente, particularmente do Japão, caracterizados por uma violência latente e manifesta que chegou a causar algum alarme público, perderam claramente peso. Hoje, a avaliar pela programação analisada nos canais analógicos portugueses, existe mais variedade de linguagens, de personagens, de assuntos e de valores e mundividências representados nos conteúdos, ainda que essa variedade seja mais saliente na oferta dos canais públicos.
Era agora tempo de direccionar a pesquisa também para os canais de cabo, aqui não considerados, e lançar o olhar crítico para os conteúdos da programação – uma empresa inesgotável, mas necessária. Ou não fosse esta uma componente marcante do currículo oculto da formação dos mais novos.

[1] Pereira, S.; Pinto, M.; Pereira, E. (2009) A Televisão e as Crianças – Um Ano de Programação na RTP1, RTP2, SIC e TVI. Lisboa: Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Manuel Pinto


  
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Edição:

Edição N.º 185, série II
Verão 2009

Autoria:

Manuel Pinto
Professor da Univ. do Minho.
Manuel Pinto
Professor da Univ. do Minho.

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