O modelo de avaliação do desempenho dos professores defendido pelo ministério enquadra-se numa perspectiva atomista da educação, do aluno e até do professor. Parte-se do princípio de que o todo é igual à soma das partes, tal como sucede nos conjuntos finitos: os números impares até 100 + os números pares até 100 = aos números inteiros até 100. Mas o mesmo não é verdade para os conjuntos infinitos. Aqui a parte pode ser igual ao todo: para cada número natural até ao infinito é sempre possível encontrar um número par ou impar até ao infinito. Todavia, nem o processo de ensino nem os professores podem ser reduzidos a números finitos ou infinitos. O processo de ensino e o professor formam um todo muito complexo de que dependem as partes. Estas só têm sentido enquanto organizadas num todo e o seu sentido varia em função do todo de que fazem parte. A Gestalt, no princípio do século XX, já demonstrara que o atomismo está redondamente enganado: não são as partes que associadas dão sentido ao todo, mas é o todo que dá sentido às partes. Antes de mais o que dá sentido à educação e ao professor é a sua concepção de homem total que ele pretende ser e que pretende formar. O modelo de avaliação e a política educativa não questionam que tipo de homem que pretendemos formar e para que tipo de sociedade. Não coloca nem pretende responder às questões humanas fundamentais: donde vimos? Quem somos? Para onde vamos? Mas nem por isso deixa de ter subjacente uma ideia de homem e de sociedade: o homem reduzido a um conjunto de atributos operativos que façam dele um produtor, por um lado, e um consumidor, por outro, acríticos e passivos, e uma determinada impropriamente chamada "sociedade" de mercado que mais não é, devido à concorrência mimética contínua, que uma permanente "guerra de todos contra todos" onde valores como a solidariedade, a amizade ou a igualdade nada contam. O que conta, isso sim, é a produtividade, a capacidade competitiva, o lucro, o crescimento. Pergunta-se: de quê e para quê? Para onde vamos? Na verdade, como diz Rodríguez Neira na sua Teoria de la Educación, Vol. 2, (Ed. Universidad Nacional der Educación a Distancia, Madrid, 1999), "todas as práticas educativas, em todos os povos e sociedades, manejam modelos antropológicos que, às vezes, não chegam nunca a explicitar-se na consciência [dos seus autores]. Com frequência a educação se promove em termos de objectivos imediatos, de regras de eficácia, de exigências sociais ou de mercado, que excluem directamente qualquer referência a modos de existência ou a concepções de homem. O paradoxo, contudo, consiste em que estes mesmos factos, projectados no tempo e implantados como formas de cultura, produzem uma certa visão de homem. Talvez um homem sem sujeito humano que o suporte, talvez um homem somente entendido como um sistema de atributos operativos, mas, em definitivo, um tipo de existência e uma forma de ser" que nós, como sujeitos e professores, abominamos. É esse o verdadeiro motivo do nosso receio e revolta. Apesar da Gestalt já ter demonstrado que o atomismo está errado, um século depois voltamos a uma concepção atomista da educação e da avaliação, em que a soma das parcelas vai dar um todo e em que é sempre e sempre possível demonstrar calculisticamente que esse todo é deficiente porque alguma das partes, associada às outras, dá um resultado inferior a cem por cento. É possível calcular, demonstrar, que todos os professores estão abaixo dos cem por cem e que, portanto, nunca deverão ser remunerados como bons ou óptimos profissionais. Como vêem há aqui uma armadilha diabólica e perigosa cujo objectivo último, para além do tal tipo de homem e de sociedade de que falamos, é poupar nos recursos humanos da educação, arranjar uma educação baratinha à custa dos professores para os filhos dos pobres porque os ricos dispõem de dinheiro para pôr os seus filhos nos melhores colégios privados do país ao até mesmo do estrangeiro.
Zeferino Lopes
|