Página  >  Edições  >  N.º 171  >  As utopias actualizadas

As utopias actualizadas
Vinha de uma lâmpada, não parecia ser um mago comum! Um Rousseau envelhecido e cínico (seria Jean-Jacques ou não?) encontrou o professor e disse que lhe queria contar uma história (ou estória). Começou:
- Dantes, antes da minha intervenção, só os nobres estudavam, ou até mesmo os plebeus, desde que tivessem dinheiro? As pessoas do povo não precisavam de estudar, para que estudariam? O que quererão ler os analfabetos?
- Sim, e?
- Sim, então eu apareci e todos começaram a estudar, os pobres também, imagine, eu convenci-os, "assim vão aprender a trabalhar melhor" ? bom negócio, não? Veja que agora até há gente que pratica exercício físico no intervalo do trabalho.
- E depois?
- Foi necessário construir umas enormes teorias, cheias de palavras difíceis e ideias pouco acessíveis, a intenção era mesmo falar sem explicar, como se costuma dizer, "usar o discurso como arma". Os textos foram sendo feitos e baralhados, usaram-se "complicadores", umas máquinas especiais que se ligam aos cérebros, multiplicaram-se as descrições de maneira a não se perceber o que se dizia. Explicou-se ao povo que a saúde é um custo insuportável, as aposentações são um vício dos maus, porque os bons trabalham do berço ao túmulo, como faziam aqueles egípcios do tempo das pirâmides, naquela sociedade exemplar, entende? O desemprego é um bem, é como a palavra "crise", que tanto quer dizer "problema" como "oportunidade"? A garantia de emprego é má, impede a autonomia e o desenvolvimento pessoal. Tudo tendo sempre em vista um posicionamento de esquerda, um humanismo subjacente, a intenção de sofrer para um dia, eventualmente, estar melhor.
- E porquê isto, perguntou o professor.
- A culpa foi dos que estudaram! Os problemas surgiram quando eles começaram a indagar coisas como "para quê" e para além do trabalho, o sentido da vida, da sociedade, das guerras e da paz. Então, nessa altura, foi necessário recomeçar a dizer que a educação pode ser perigosa, que é necessário "aprender a trabalhar", hum, é necessário aprender aquilo que o «mercado» quer dizer, o patrão quer?

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo