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Q q vc ker?

(O outro lado da história, meses depois)

Aquela professora mencionada no texto anterior saiu apressada para o ponto do ônibus. Enquanto pensava que era engraçada uma professora de Português correndo para o "ponto final", passou pela porta da lan house e viu seus alunos se acotovelando para pagar e entrar no salão, que nem é grande. A distância da sua casa é que é. Muito! Pensou na sua fantasia infantil com o tele-transporte: desintegra aqui, integra de novo no destino.
Todos eles morando no Rio, na Cidade Maravilhosa, nenhum podendo ver o Pão de Açúcar ou o Cristo Redentor... O entorno deles não inclui cartões postais visíveis no cotidiano, mas nem por isso ela vai baixar aquele "jogo" chamado Second Life. Não tem dinheiro real para jogar fora em transações com esta coisa faz-de-conta do mundo virtual. Ela não só faz as contas, como não quer desistir de estabelecer conexões vitais. Também não quer ver sua vida exposta em sites como o Orkut, este diário público. Lembra do "meu querido diário" da adolescência e do cuidado de guardá-lo como a uma fortaleza a ser mantida inexpugnável. Lia para "viajar" e para se entender melhor. Escrevia para falar das coisas e dos seus desejos, para exorcizar seus demônios e fantasmas. Também inventava personagens e se sentia mais potente, dona daquelas ações e destinos. Parece que foi ali que ela começou a lidar com a contradição, conceito que aprenderia muito depois.
Será que o que está em jogo agora é só mais um conflito de gerações? Lembra da cara que os alunos fizeram quando ela anunciou o filme para o dia seguinte. Eles nem perguntaram qual era o título ou algo parecido. Foram logo implicando com a duração. "No tempo dela", quando tinha filme na escola, era uma festa! Claro que, vez por outra, ela também pensava na escola como uma chatice, mas era especialmente um lugar para aprender milhões de coisas. Ela se pergunta onde, neste tempo tão comprimido, os alunos vão aprender a ver mais do que vídeo clipes e discutir o que viram. Chato ter que incluir um teste sobre o filme, mas que alternativa teria para prender-lhes a atenção? Será tão difícil assim entender que o tempo na/da escola não pode ser igual ao da TV e da internet, que tem que haver um espaço para elaborar coletivamente o bombardeio de tantas coisas imediatas e fugazes? Que outro espaço seria esse, senão a escola?
Estranha a sensação de estar como que condenada a habitar um "tempo dos dinossauros"! Se os seus alunos soubessem que ela também navega na internet horas a fio nos finais de semana... Se soubessem que de vez em quando ela passa pelo You Tube... Se soubessem que alguns professores usam o Google até para ver se os alunos copiaram os trabalhos de algum site... Se soubessem que ela só começou mandando e-mails em linguagem formal e agora até usa um pouco de "internetês", abreviando palavras, quando mais de duas pessoas falam com ela no MSN ao mesmo tempo...
Pensa que essa coisa de ir "comendo vogais" e achando jeitos de economizar na escrita é válida para quem sabe o que está sendo modificado. O que será que provoca na cabeça de quem (ainda) não domina a escrita? Como estabelecer limites para estes usos? E se os alunos escreverem assim na prova? O que fazer exatamente com seus alunos tão jovens?... E se ela abrisse este novo espaço aos alunos? Será que iriam invadi-lo a qualquer hora? Será que ela acabaria tendo que trabalhar muitas horas mais? Será que escreveriam todo dia? Será que mandariam uma avalanche de mensagens até entupir a sua caixa de entrada? Mandariam vírus, será? Se ela conversasse tudo isso com eles...
Vai saltar no próximo ponto. O tempo passou rápido. Ela também corre muito, embora não goste nem um pouco. O fato é que tem mil coisas a fazer agora. Vai ter que pensar nisto depois.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Raquel Goulart Barreto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ
Raquel Goulart Barreto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ

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