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O mal no meio do coração
Este mês não vou escrever sobre cinema. Encontrei um livro do qual tenho de vos falar. Desculpem!!!
"The Lucifer Effect: Understanding How Good People Turn Evil", de Philip Zimbardo, edição de "Rider Books". Em 28 de Abril de 2004, o programa de notícias "60 minutes II" transmitiu fotografias tiradas em Abu Ghraib, prisão do Iraque. Essas imagens ficaram, desde essa altura, gravadas na nossa consciência. Um dos espectadores estupefactos foi o professor Philip Zimbardo, eminente psicólogo. Em 1971, como psicólogo da Universidade de Stanford da Califórnia, conduziu uma experiência sobre a psicologia do prisioneiro, dividindo um grupo de alunos, voluntários, em dois grupos: os "guardas" e os "prisioneiros". Nesse Agosto testemunhou níveis de crueldade que não tinha previsto nem imaginado. Em pouco tempo, "liberal students" tornaram-se sádicos, torturando presos, indo até ao ponto de os forçar, numa premonição do Iraque de George W. Bush, a simular sodomia uns com os outros.
Após seis dias de experiência, Zimbardo pôs-lhe fim. Embora os "guardas" soubessem que os "presos nada tinham feito de criminoso para merecer tudo aquilo", ele escreve no seu livro, "alguns...transformaram-se em portadores do Mal". A experiência ensinou-lhe que "a maioria de nós pode sofrer alterações de carácter significativas quando é apanhado numa encruzilhada de forças sociais".
Foi para responder à pergunta "como é que boas pessoas se transformam em Mal" que Zimbardo escreveu "Lucifer Effect", uma peça de investigação formidável sobre a natureza do mal e os sistemas e situações que o criam. Começa o livro com um penoso mas necessário exame de alguns dos melhores (piores) exemplos da inumanidade do homem para com o homem durante o século passado: a carnificina de 350000 civis chineses pelas tropas japonesas em Nanquim em 1937; "a banalidade do mal" personificada por Adolf Eichmann; o massacre de 800000 ruandeses em 1994. Moralidade, observa, é como" uma embraiagem que às vezes fica em ponto morto".
O episódio de Abu Ghraib, o foco do livro, é contado com precisão, detalhadamente. Depois da publicação das fotografias, sete guardas foram acusados de "maus tratos sobre prisioneiros". Entre eles encontrava-se Ivan "Chip" Frederick, 37 anos, no julgamento do qual Zimbardo participou como "testemunha especialista". Frederisk é um arquétipo de um normal American Joe: temente de Deus, basquetebolista, um soldado disciplinado, super patriota. Em Abu Ghraib foi completamente desumanizado. Fazia turnos de 12 horas, sete dias por semana, 40 dias sem folga, e dormia numa cela quando estava fora do serviço. Nas suas próprias palavras: "A merda era levada por insignificantes. Havia um grupo de humanos na prisão ... havia um grupo de cães selvagens". Os presos atacavam os guardas frequentemente; numa altura entrou uma arma e seguiu-se um tiroteio...
Human Rights Watch, num relatório de 2005, censurou o ex-secretário da defesa americano Donald Rumsfeld e os chefes da CIA e o exército americano por "decisões e políticas que facilitavam sérias e amplas violações da lei".
Zimbardo concorda, mas não há razões para complacência. Diz que qualquer de nós, em determinadas circunstâncias, é capaz de actos monstruosos. Como dizia Solzhenitsyn no "Arquipélago de Gulag": "A linha entre o bem e mal encontra-se no meio do coração humano".
Mais uma vez desculpem, mas não resisti a dar-vos a conhecer este livro. Como diz Saramago: "As tentações existem para não lhes resistirmos".

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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