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Descalçar a bota
É urgente que os imensos cidadãos atingidos pela vaga recessiva pensem na situação absurda em que se encontram e na razão para tal. O actual governo definiu como meta fundamental a construção de um aeroporto e de uma linha ferroviária. Um aeroporto é uma estação de serviço para aviões. Além de múltiplas alternativas à localização dessa estação de serviço na Ota, sabemos que o novo aeroporto não será ampliável, razão pela qual se diz ser necessário substituir a Portela. Feito em terrenos de aluvião, não será um local seguro. Algumas notas devem ser acrescentadas a este assunto. Em primeiro lugar é muito estranho que desde as Forças Armadas, à Polícia, passando por todos os elementos do Sistema Educativo (do Básico ao Superior), incluindo o sector da Saúde, com fecho de maternidades, tudo e todos sejam sacrificados em benefício da construção de uma estação de serviço para aviões situada no Sul da Zona Centro de Portugal. O aeroporto do Porto dispõe de ligação via metropolitano ao caminho-de-ferro. Em segundo lugar ? pasme-se ? o mesmo governo decide aumentar (e de que maneira) a capacidade do aeroporto da Portela, para depois o encerrar!
Em relação ao tristemente famoso "TGV", algumas pessoas têm escrito artigos colocando em causa a sua necessidade. O TGV, a ser construído num quadro de despedimentos generalizados no País, de desinvestimento em tudo, constitui um exemplo do que se pode chamar "Violência do Poder". No semanário "EXPRESSO" de 1 de Dezembro, p. 41, Alexandre Patrício Gouveia caracterizou essa obra (sem que ninguém, com responsabilidades políticas, se tenha dado ao trabalho de se pronunciar). Diz o autor do citado artigo, intitulado "Uma teimosia ruinosa":
" (?) Possivelmente, em nenhum outro momento da história política económica portuguesa existiu um perigo semelhante de se desperdiçar tanto dinheiro, em prejuízo da economia nacional." O autor refere que já dispomos do pendular (capaz de velocidades de 240 km/h) que só não são atingidas por não se fazerem obras de 500 milhões de euros (em vez das de 6000 milhões previstas para o TGV) que permitirão chegar a Lisboa ou Porto 20 (!) minutos mais cedo que com o uso do pendular. Acrescenta: "para termos uma ideia do volume de investimento que implica o TGV, basta referir que um minuto de viagem do TGV custa o equivalente a um grande hospital, e que um minuto de viagem junto a Lisboa ou ao Porto, devido às expropriações que será necessário efectuar, custará o equivalente a dois grandes hospitais." O autor acrescenta que este projecto, seguindo os números internacionais adoptados para casos semelhantes dará prejuízo. "É o que sucede em Espanha, no traçado Madrid ? Sevilha, onde os custos da construção e utilização da linha não são suportados pelo TGV mas sim pelo Orçamento do Estado. (?) A linha de TGV Madrid ? Valência é explorada pela RENFE, mas o Estado espanhol assumiu, em 2004, dívidas de 3,7 mil milhões de euros desta empresa. (?)"
Mais premente que noutros casos, nos quais o governo não argumenta com a sua maioria absoluta, um referendo aos portugueses sobre estas obras seria um acto elementar de exercício democrático. Os partidos da oposição não deveriam calar-se no que diz respeito a estes assuntos. "Quereis manteiga ou canhões?" ? perguntava Mussolini. Que queremos nós, neste começo de século? Que fazemos para poupar? Mas poupar para gastar em quê? Não deveremos perguntar qual o destino da poupança?

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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