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Educar na ética do cuidado como virtude cívica essencial
Grande parte do que a nossa quotidianidade comporta está ligada ao cuidado. Uma prática humana e social que deve atingir todas as dimensões do nosso entorno sensorial e material, tanto na sua forma endógena de autocuidado, como na exógena que comporta o cuidado dos outros. Ao fim e a cabo, ambas sustentam uma parte considerável das relações interpessoais fundadoras da individualidade que nos define e ao mesmo tempo nos permite ser membros duma determinada comunidade. Por quanto, cuidar-se e estar bem cuidado sejam necessidades básicas de todo ser humano, em termos de segurança e de protecção, de felicidade e bem-estar, ele está na base do desenvolvimento intelectual, corporal e sentimental dos indivíduos, e nele reside tanto o nosso bem-estar físico, psíquico e sensorial, como o nosso equilíbrio afectivo e emocional. Por isso, como diz o teólogo Leonardo Boff, na nossa essência "somos cuidado".
Os diversos significados que pode adoptar o cuidado remetem para realidades que nos falam de auto-ajuda, de delicadeza, de prudência, de mesura, de tacto, de diligencia, etc. Assim como podem falarmos também da assistência e da protecção como formas de cuidado ligadas á fragilidade e defesa das pessoas que precisam de contributos externos para melhorarem a sua autonomia. Porém, mesmo que a falta de cuidado seja na sua forma negativa (como ter descuidos, precisar cuidados ou estar descuidado), tratasse sempre de situações e ocorrências elucidadoras das possibilidades e necessidades das pessoas na procura do seu bem estar em comum.
Este modo de sermos e de estarmos feitos de cuidado, em todo momento e circunstância, reflecte uma natureza social e relacional que ao transcender a preocupação por um mesmo acaba sendo, inevitavelmente, ocupação pelos outros, e vice-versa; por quanto cuidar-se supõe estar nas condições necessárias para tratar bem dos outros como trata de si próprio, resistindo ao abandono incapacitante e autolimitante, de modo a poder depositar neles as mesmas aspirações e expectativas de projecção que cada um é capaz de imaginar para si.
Que o cuidado tenha um sentido mútuo remete, sem dúvida nenhuma, para uma ética pessoal capaz de se tornar num código de actuação de quem conhece e reconhece que o seu próprio autocuidado individual comporta a responsabilidade de colaborar na tarefa de alcançar uma maior qualidade de vida colectiva; porque, nas palavras de José António Marina, a principal tarefa da nossa "civilização do cuidado" consiste na troca dum género de cuidado que seja intercambiável.
Para além de precisar ser bilateral, este cuidado também se projecta num tipo de hábitos que marcam com determinação a vida dos indivíduos, contribuindo para que tenham uma identidade singular, interiorizada e expressada numa serie de rotinas no desenvolvimento das suas relações éticas e estéticas. Este tipo de cuidado correspondido e quotidiano configura umas relações humanas e sociais nas quais a educação é chamada a desempenhar um importante papel, na sua integridade e integralidade; isto é, com o objectivo de favorecer a conquista da dignidade humana e uma existência em plenitude. Entre outros contributos, pela educação passa sermos capazes de aprender a perceber as necessidades próprias e alheias, compreendê-las e conseguir decifrar como fazer para satisfazê-las.
Nesse sentido, o acto de cuidar-se, tanto como cuidar, é na sua essência um acto pedagógico que requer fazer aprendizagens e descobertas daquilo que cada um de nós precisa para conseguir satisfazer as suas necessidades vitais. Porém, para os professores, aceitar e afrontar o desafio de educar na e através da ética do cuidado supõe perceber que é na reciprocidade que reside a chave das alianças e das cumplicidades que nos permitem falar em colectivo e pensar em conjunto. O que significa, segundo Escudero, que esta ética do cuidado comporta a virtude cívica de por os outros, sujeitos concretos e singulares, no centro das próprias decisões e práticas, tomar conta deles, assumir a responsabilidade do seu destino e provê-los com o bem comum da educação. Em definitivo, dotar a sociedade dum estimável património que lembra o passado com vontade de seguir renovando o presente e imaginando novos e melhores futuros.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Pablo Souto
Educador social - Universidade de Santiago de Compostela, Galiza
Pablo Souto
Educador social - Universidade de Santiago de Compostela, Galiza

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