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Incursões reflexivas a propósito da adequação ao processo de Bolonha

Escola, educação e ensino

Se a escola deve educar, formar ou instruir, transmitir saberes, ideias e valores são algumas das muitas discussões a que se tem vindo a assistir sempre que uma reforma se anuncia, uma mudança se deseja ou se impõe.
Que o Ministério da Educação tem uma larga história que caminhou da instrução para a educação para a autonomia, passando pela célebre máxima escola como "sagrada oficina das almas"que remetia para uma educação nacionalista e monocultural, também é um facto.
Que a formação de professores tem vindo a ser reestruturada, bastas vezes, e oscila entre os discursos e políticas que apelam ora à aposta em mais conhecimentos científicos, ora a uma maior preparação didáctica, psico-sócio-pedagógica, também é verdade.
Que da formação dos Magistérios Primários que recebiam alunos futuros professores com o antigo 5º ano de base se chegou ao bacharelato comum a todos os docentes, e à licenciatura feita muitas vezes com complemento de formação, também não é hoje novidade.
Que os discursos reformistas têm oscilado entre a disciplinaridade de matérias clássicas e outras mais novas como o DPS (Desenvolvimento Pessoal e Social) e a multi e transdisciplinaridade inscrita em domínios como a área escola, o trabalho projecto, a formação pessoal, etc., também ninguém tem dúvidas.
Mas não só de certezas vive o Homem. As dúvidas existem e são bons exercícios de reflexão. O actual Anteprojecto de Decreto-Lei - Regime Jurídico da habilitação profissional para a docência traz algumas em que vale a pena pensar.
Não se recua, propriamente, no número de anos de formação que um professor deve ter para ser profissionalizado. Há, essencialmente, uma alteração de designação: licenciatura é a nomenclatura usada para os 3 anos do 1º ciclo de formação de professores sendo que todos deverão ser mestres para serem profissionalizados (aqui, há, contudo, uma discriminação quanto ao número de créditos necessários para se ser mestre no âmbito da Educação para a Infância e no ensino do 1º Ciclo, relativamente aos outros graus de ensino). Mas recua-se no nível de perfis para o desempenho profissional que, em nome da racionalidade económica e científica, passam de 31 para 16. Este anteprojecto, que será provavelmente Decreto de Lei a breve trecho, envia para o domínio da excepção a formação para a docência nos domínios de habilitação não abrangidos pelo diploma, referindo que será regulado através de diploma autónomo (cf nº 4 do artigo 2º do capítulo I do referido anteprojecto).
Considerando que o título deve encerrar a hipótese e a linha condutora de um texto, vale a pena perguntar onde pára o investimento na educação, já que os perfis referidos apontam essencialmente para o ensino de matérias específicas. Responder-se-á que o mesmo anteprojecto mantém a ideia da Lei de Bases com a componente de formação cultural, social e ética, abrangendo a "sensibilização para os grandes problemas do mundo contemporâneo, o alargamento a áreas do saber e cultura diferentes das do seu domínio de habilitação para a docência, a preparação para as áreas curriculares não disciplinares e a reflexão sobre as dimensões ética e cívica da actividade docente".
Contudo, para quem defende que a novidade alimenta este regime jurídico, vale a pena deixar uma reflexão: a escola não pretende educar? A escola não é cada vez mais um microcosmos da sociedade em que vivemos? Os problemas da violência, do choque de culturas, da pobreza, da exclusão social, da incomunicação religiosa, cultural, etc, da sociedade que habitamos, não estão eles cada vez mais na escola? Não tem o sistema veiculado discursos relativos à necessidade de reforçar a relação escola-família-comunidade-sociedade? O que é que este diploma traz de novo relativamente a esta matéria? O que está previsto poder fazer um licenciado em educação básica que, de repente, não ingressa no 2º ciclo de formação para ser mestre e profissional de ensino? Não poderiam estes licenciados, e outros por aí desempregados, assumir o papel de mediadores culturais, mediadores escolares, tendo, logicamente, uma adequada formação multi e intercultural para o efeito, por forma a serem educadores sociais, perseguidores da construção de pontes entre as ilhas que são as escolas e os continentes que são as comunidades locais e a sociedade em geral?
Já agora valeria a pena pensar nisto.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Ana Vieira
Professora do 2.º Ciclo do Ensino Básico. Doutoranda em Educação Social
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades
Ana Vieira
Professora do 2.º Ciclo do Ensino Básico. Doutoranda em Educação Social
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

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