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Na morte de Jorge Reis

Autor de "Matai-vos uns aos Outros"

A morte recente de Jorge Reis, ocorrida junto de seus filhos e netos na cidade de Paris em que viveu largos anos como exilado político nos tempos do salazarismo, constitui uma grande perda na nossa literatura, embora depois de ?Matai-vos uns aos Outros? (1962), romance que obteve o ?Prémio Camilo Castelo Branco? e mereceu a atenção da crítica e dos leitores com sucessivas reedições, Jorge Reis só regressou aos caminhos da ficção em 1990 com ?A Memória Resguardada?. Pelo meio desse percurso literário, ficaram vários artigos de intervenção nas páginas da ?Vértice? ou as muitas crónicas esquecidas nas colunas do ?Diário de Lisboa?, a par dos seus trabalhos de ensaio e memória, com destaque para ?Aquilino em Paris? (1987) onde se evoca o exílio político do autor de ?O Malhadinhas?.
Agora com a morte de Jorge Reis, autor quase esquecido ou pouco citado, sabemos como sempre se pôde apresentar como um ?exemplo? de escritor português que, apesar da ausência forçada fora do País e a acção exercida durante muitos anos em França como ?homem da rádio?, obteve um prestígio indesmentível no tempo de outras clandestinidades, quando o País vivia mergulhado no silêncio salazarista, porque nunca deixou de estar atento ao que em seu redor acontecia, avançando pelos caminhos da literatura e dentro de uma certa utopia em favor da consolidação de um trajecto pessoal, cujo território se definiu pela emotividade que sempre pôs nas histórias que narrou, num fio de voz comovente e numa prosa de sabor vernáculo que aprendeu em Vieira ou Aquilino e lhe conferem esse ?tónus? vivencial tão presente nas suas páginas.
Assim, ao relermos este conjunto de ficções políticas e literárias, o que se ergue pelo fio narrativo que ata e desata todos os laços é esse sentido utópico e convivente de Jorge Reis saber definir o seu próprio território, de modo realista e poético, nos desencantos ou descobertas da vida e de quem andou a seu lado num tempo evocado de perseguições, fugas, medos e clandestinidades. Na lembrança desta memória que se diz resguardada, importa ainda compreender a homenagem feita por Jorge Reis, de modo bem doseado e entrelaçado, através dos sinais e imagens de sabor biográfico e vivido desde que partiu da sua terra natal (Vila Franca de Xira), peregrinou por Lisboa e Paris, às gentes e lugares que jamais pôde esquecer (Jean Moulin, François Mauriac, André Malraux, Bento de Jesus Caraça, Alves Redol, Joaquim Namorado, Carlos de Oliveira e tantos outros) e, no empolgamento da própria escrita e no calor entusiástico da sua memória resguardada, nos oferece essa imagem próxima e fiel que os anos não puderam esquecer nem a morte apagar na hora da sua partida.
Mas dizemos, por último, em jeito de viva e sincera saudade, que o apelo de Jorge Reis sempre feito ao combate da razão se não perdeu em pormenores de menor importância expressiva e tudo se conjuga para fazer ?reviver? outras encruzilhadas da vida ou reabilitar o tempo passado pela sua memória resguardada e humanamente revivida nos traços essenciais do que mais desejou registar ou celebrar em ?histórias? como ?O Francês da Barateira? ou ?Paris, Agosto de 1949?.
E pela celebração dessa memória Jorge Reis recupera o sentido mais profundo na evocação firme de outras clandestinidades e o coloca ainda tão perto de nós. Para sempre.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 152
Ano 15, Janeiro 2006

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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