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Uma batalha (também) nossa

Ao meu Pai que me ensinou
 "que a liberdade só existe na procura da liberdade"

Há gente que a quer matar só por ela querer dizer o que pensa. No ano passado ele foi realmente morto apenas porque fez uma obra de arte provocatória. Bem vindos à nossa ?brave new  Europe?, três séculos depois das Luzes.
Ela é Ayaan Hirsi Ali, a política e escritora Somali-Holandesa que escreveu o argumento do filme ?Submission?. Ele era Theo van Gogh, o realizador holandês do tal filme, que provocou o seu assassinato numa rua de Amsterdão. Depois de cortar a garganta de van Gogh, o assassino pregou uma carta no seu peito com uma faca de talhante. ?Ayan Hirsi Ali ,? dizia ? partir-te-ás  aos bocados no Islão?, ? tu, oh Europa cairás...?, E concluía ?tu, oh Holanda cairás ...Tu, oh Hirsi Ali cairás?.
Não tenho dúvidas que o argumento de Ali tenta colocar um ponto de vista  importante sobre o sofrimento das mulheres oprimidas em nome do Islão- sofrimento que Ali conhece em primeira mão, primeiro pela sua própria experiência, depois por ser intérprete de outras mulheres muçulmanas na própria Holanda.
Ayaan Hirsi Ali é muito mais do que apenas uma voz das sem voz. Ela é calma, clara e luta pelos valores liberais das Luzes: direitos individuais, liberdade de expressão, igualdade perante a lei. Diz que estes ideais lhe chegaram pela leitura na escola, no Quénia, para onde a sua família se deslocou, fugida da Somália.
Adorava o trabalho de Charles Dickens e George Orwell - como jovem muçulmana, acreditou que o comportamento dos porcos em ?O Triunfo dos Porcos?  explicava a razão porque os muçulmanos não comem carne de porco. Depois, estudando ciências políticas na Holanda, descobriu os clássicos do liberalismo Ocidental. Admira particularmente dois autores: John Stuart Mill e Karl Popper.
Mas a sua reivindicação central parece-me irrefutável: se vivemos num país livre deve ser possível criticar livremente, e sem medo de represálias, o Cristianismo, o Islão, o Judaísmo, o Hinduísmo, o Sikhismo ou, já agora, o Darwinismo. Para levar isto às últimas consequências está disposta a fazer ?Submission 2?, que tratará a história do lado dos homens, e ?Submission 3?, que sugerirá uma possível resposta de Alá. Quaisquer que sejam os méritos de tais filmes, temos de saudar a sua coragem e apoiá-la como for possível. Não é apenas  pelos direitos das mulheres nas famílias muçulmanas que ela luta; luta também por um direito básico NOSSO.
Este direito de liberdade de expressão, que numa sociedade aberta é tão importante como o oxigénio para a vida humana, está neste momento ameaçado por gente com uma posição muito simples: se disseres isso, mato-te. E não apenas no caso do Islão. Basta lembrarmos os protestos violentos da comunidade Sikh britânica, que forçou o dramaturgo Gurpreet Kaur Bhatti a procurar refúgio, e a sua peça  ?Behzti? a ser retirada de cena em Birmingham.
Penso que devemos reflectir no exemplo desta mulher somali que, inspirada por autores como Mill, arrisca a vida todos os dias para manter o nosso direito de livre expressão. E acima de tudo lembrarmo-nos que o melhor, e quanto a mim único, meio de o defender é usando-o todos os dias sem medos, pois a liberdade é um bem muito frágil e não deve ser nunca dada como adquirida para sempre.

Nota:
O filme ?Submission? pode ser visto na net em ayaanhirsiali.web-log.nl/log/2292608 - tem apenas 11 minutos de duração.
As declarações de Ayaan Hirsi Ali foram publicadas no Guardian Weekly  de 9-15 de Dezembro


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 152
Ano 15, Janeiro 2006

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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