DESVALORIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO E ILUSÓRIA CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO - I
As considerações que aqui abordamos ? que por razões editoriais são publicadas em três partes: em Maio, Junho e Julho ? discutem um dos grandes mitos actuais, segundo o qual teríamos entrado numa era de pós-trabalho, centrada no conhecimento e na educação. Mudança que seria devida aos poderes ?sobrenaturais? das novas tecnologias e dos mercados globalizados, criadores de um mundo unificado pela alta finança e pelas redes de comunicação.
Mercado e comunicação são as palavras-chave da nova era, os modelos de referência para a estratégia de reconversão capitalista, em geral, e das relações trabalho/escola em particular. A comunicação mercantilizada é sinónimo de conhecimento instrumental, serve de modelo para a modernização empresarial do sistema de ensino, numa lógica economicista. Visa a sua adequação às exigências da indústria e dos serviços, o que implica um investimento acrescido na precarização do trabalho, redução dos custos de formação nas empresas, individualização ou atomização de alunos e professores para evitar eventuais resistências na procura de alternativas. Os patrões não se conformam com uma adequação qualquer do ensino público ao chamado mercado de trabalho. Exigem a mercantilização ampla, geral e irrestrita do ensino porque consideram que: a) as despesas em educação e formação profissional são ?investimentos estratégicos vitais para o sucesso das empresas?; b) é insuficiente, e deve ser ampliada, a sua influência na definição dos programas de ensino; c) o lucro deve ser o critério orientador do sistema de ensino; d) o reconhecimento da necessidade da LLL, como novo factor da reprodução da força da trabalho favorece a emergência de um amplo sistema privado e comercial de ensino; e) a perspectiva visível de expansão do sector das telecomunicações promete lucros fabulosos para o negócio da educação à distância; f) as novas TIC, ao permitirem a expansão ilimitada deste tipo de ensino, fornecem uma base sólida para a implantação de uma grande indústria privada de ensino assistido por computador; Em Portugal, a lógica da comercialização do ensino empresarial ainda encontra resistências importantes no seu caminho. O sistema de educação pública e de credenciação estatal dos diplomas são, para parcelas significativas da população, uma das poucas expressões tangíveis dos incipientes direitos sociais e da precária cidadania. A tendência é, no entanto, para mercantilização do ensino, o que vem aprofundando a polarização social, porque ao mesmo tempo que oferece um mercado considerável para a emergente indústria do ensino, aumenta a exclusão educacional das camadas sem acesso a esse mercado. Está criada uma situação paradoxal: a mesma população que, segundo as estatísticas oficiais, teria atingido níveis de escolarização mais elevados que no passado, apresenta maiores índices de desemprego e sub-emprego, indicadores claros de uma desvalorização capitalista do trabalho manual e intelectual. Para a estratégia patronal, o problema da educação como todos os outros problemas sociais, fica reduzido a uma mera ?disfunção? temporária, devida ao insuficiente desenvolvimento dos mecanismos do mercado. A inconsistência dessa explicação não resiste à prova dos factos. Sendo a maior parte dos empregos disponíveis pouco qualificados (além de contratualmente precários e mal remunerados), parece inevitável que aumente a divergência entre oferta e procura de qualificações, isto é, entre os crescentes níveis médios de escolaridade (e qualificação) dos trabalhadores e as reduzidas qualificações da maioria dos empregos oferecidos. A procura de novas qualificações, que exigem mais tempo de escolarização, representam uma parcela minoritária do núcleo privilegiado do mercado de trabalho, o que não favorece a retórica oficial sobre a centralidade da educação, cuja modernização é apresentada como panaceia para o problema do desemprego e solução imprescindível para superar o suposto atraso entre oferta e procura de forças de trabalho precariamente qualificadas. Esta estratégia educativa (competitiva - dizem) assenta no falso pressuposto da existência de uma correlação directa e automática entre o nível de escolaridade (e qualificação) dos trabalhadores e o nível de qualificação dos empregos oferecidos. Na realidade, a relação dos sistemas de escolarização com o volume e a estrutura do emprego é hoje mais complexa que no passado, uma vez que o nível de escolaridade dos desempregados aumenta continuamente sem provocar qualquer redução significativa das altas taxas de desemprego. Este facto torna ilusório supor que o problema do desemprego pode ser solucionado elevando apenas a escolarização. Em Junho daremos continuidade a este texto centrando a nossa atenção na desvalorização económica do trabalho, expressa no desemprego e na precarização das relações de trabalho.
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