A certo passo da sua recente visita a Portugal, o ex-presidente da República de Moçambique, Joaquim Chissano, com o ar jovial que lhe é reconhecido, deu a entender que ainda esperava ouvir um pedido de desculpa de Portugal pelos males que a colonização causou ao povo moçambicano... Ninguém lhe respondeu, mas adivinham-se os sorrisos gelados de quem não se considerava responsável pelos erros dos antepassados nem julgava mais construtivo do que tentar repará-los seguir o exemplo do Chanceler alemão e do Papa, que pediram perdão aos judeus pelos crimes do Nazismo e pelas Cruzadas. Isto não retira a qualquer acto de contrição o valor que lhe confere a consciência do erro ( perderá esse sentido se reincidir), mas, mais importante do que reconhecer o erro ou a culpa, será pagá-los, ou, pelo menos, procurar compensar a vítima pelos prejuízos causados. Nesta perspectiva de boas intenções se poderá considerar o empenho, manifestado, em Março, numa sessão pública da Sociedade Portuguesa de Geografia, de várias personalidades da vida política portuguesa, como Mário Soares e Adriano Moreira, apoiados por outras personalidades como o antigo governador-geral de Cabo Verde e de Angola, Silvino Silvério Marques, e do agora ministro dos Negócios Estrangeiros (mas não nesta qualidade) Freitas do Amaral, em propor ao actual Governo que defenda a entrada de Cabo Verde na União Europeia, por entenderem que "todas as circunstâncias históricas, presentes e de projecto futuro, que definem a identidade de Cabo Verde, aconselham que se iniciem negociações entre a União Europeia e Cabo Verde no sentido de este aderir à União Europeia." Conhecemos a notícia do evento através de um despacho da Agência LUSA, emitido de Cabo Verde, no qual se reporta o agrado com que o primeiro-ministro José Maria Neves recebeu a informação, pois ela ia ao encontro de um trabalho de fundo que Cabo Verde vinha a fazer desde 2001, no sentido de "uma parceria especial com a UE (...) explorando toda a sua vocação atlântica e contribuindo para o alargamento do espaço de estabilidade e segurança nesta região do Atlântico." Designa o chefe do Governo cabo-verdiano por "parceria especial" o estatuto que os patronos da ideia portuguesa logo propõem como "adesão", argumentando que "o alargamento da União Europeia não pode ignorar a dimensão Atlântica, não apenas pela valência da segurança e defesa, mas também (...) por ser a melhor expressão das sínteses culturais que a experiência euromundista produziu [pois que] os padrões culturais europeus estão implantados como componente essencial da identidade cabo-verdiana [ou seja ] uma plataforma de valor excepcional para a relação Euroafricana." Quem se lembrar de que esta semântica incorporava, durante a Guerra Fria, a proposição portuguesa aos seus Aliados de integrar as chamadas "ilhas atlânticas" na estratégia de defesa da "área lusotropical", em que avultavam as colónias da África ocidental e o Brasil, há-de imaginar que os países parceiros de Cabo Verde na CEDEAO sentirão algumas perplexidades ao ouvirem repetir argumentos que Portugal empunhava, antes das independências, para justificar a sua política colonial. Os tempos, agora, são outros, mas repetir a retórica (que distintos cabo-verdianos sempre acompanharam com delicada reserva) de que Cabo Verde é uma "extensão" da Europa (pela via de Portugal), mas outros mais não recusavam representar-se como um "caso de regionalismo" africano, é esquecer que a indiferença e o lachismo com que os (ínfimos e flutuantes) colonizadores portugueses, até ao deflagrar dos movimentos de libertação, olharam as "Ilhas Flageladas do Vento Leste", fez com que fossem os escravos transferidos da Guiné e de outros territórios vizinhos os verdadeiros povoadores e autores da sua sincrética identidade nacional, definida numa língua (o crioulo), numa literatura, numa música, numa arte, até numa culinária (tal como nas ilhas caribenhas), que justamente os poderão levar a afirmar, como aquele mítico "super-homem" do povo cuanhama de Angola, Nambalisita, "criei-me a mim próprio". Sejam quais forem as preocupações das personalidades referidas (e não se duvidará que sejam de sincero apoio, simpatia e "cumplicidade histórica" para com um povo que continua a mostrar-se excepcional na dura e longa batalha pela sobrevivência), não deixará, por certo, o Governo português de compensar o povo cabo-verdiano pelos "pecados históricos" cometidos, começando por reconhecer que ele não é um "filho-de-dois mundos", mas que nasceu "de entre" dois mundos, - na feliz expressão de Manuel Ferreira - para se poder representar como Nambalisita e aspirar - com uma delicada e prudente reserva quanto à terminologia - não a uma plena "integração" na União Europeia, mas a uma "parceria especial", que não o desvincularia da África a que, pela história, pela geografia, pelo sangue, e por muitas e imagináveis razões de ordem prática, - como manter espaços de emigração - efectivamente está ligado.
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