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As disciplias nobres, as outras e as parentes pobres

Não será de começarmos a desconfiar daquilo que se exige aos alunos nestas ?disciplinas nobres?? No 1º ciclo, será mais importante que o aluno conheça as nomenclaturas (sujeito, grupo nominal, sintagmas e outras que por aí têm proliferado...) ou que saiba, preferencialmente, ler um pequeno texto compreendendo perfeitamente tudo o que ali se diz, não diz e poderia dizer?

A discussão parece demasiado antiga; mas é, ainda hoje, bastante premente.
A importância dada a certas disciplinas, ao longo de toda a escolaridade, parece ser do senso comum, inquestionável por docentes, alunos, pais, ministério e teóricos da educação em geral. A Língua Materna e a Matemática têm assumido este estatuto desde que a escola existe enquanto instituição. O que se compreende e se aceita, se tivermos em conta a índole transversal da primeira e os pré-requisitos inerentes à segunda para a maior parte das disciplinas da área das ciências exactas e não só.
O que poderá já não se entender tão bem é por que razão, sendo estas disciplinas basilares, diga-se assim, apresentam ambas os maiores índices de insucesso escolar. Umas coisinhas simples, como a língua que todos aprendemos a falar e a ouvir desde o berço, de forma natural, ou como as contas que se fazem quando se vai comprar um gelado ao café mais próximo... Mas não; é toda uma problemática com que as escolas se debatem, inventando salas de estudo, apoios sócio-educativos, oficinas de escrita e de leitura e outras estratégias. Para não falar no lobby das explicações, onde os pais gastam dinheiro, não sendo os resultados sempre grande coisa, a não ser para resolver o problema de imediato, isto é, a nota do teste e do período ou  a passagem de ano.
Não será de começarmos a desconfiar daquilo que se exige aos alunos nestas ?disciplinas nobres?? No 1º ciclo, será mais importante que o aluno conheça as nomenclaturas (sujeito, grupo nominal, sintagmas e outras que por aí têm proliferado...) ou que saiba, preferencialmente, ler um pequeno texto compreendendo perfeitamente tudo o que ali se diz, não diz e poderia dizer? Chamar as coisas pelos nomes que têm auxilia fortemente a organização do pensamento; mas ?vaguear? pela nomeação automatizando significantes, ou até significados, sem saber enquadrar nada disso na gramática do texto, parece ser um forte contributo para o desinteresse e o insucesso escolar. O novo programa de Português do Ensino Secundário, sobretudo na parte da Pragmática Linguística, sugere também  algumas interrogações (por exemplo, os actos perlocutórios, ilocutórios, etc; esta terminologia difícil até para os alunos do primeiro ano do ensino superior, como vai ser recebida por jovens de 10º ano?). O que se passa é que, sendo necessário trabalhar textos não literários ? disso não há dúvida ? não parece indispensável transpor para as jovens cabeças toda a teoria linguística, por mais moderna que seja. Tem todo o sentido o seu conhecimento profundo por parte dos educadores. Isso sim; porque há a Didáctica e há que contar com ela, quando se faz um programa; isto é, com o ?saber transferir? por parte de professores experientes.
Algo de semelhante se há-de passar com a Matemática. Não parece ser de acreditar que sejamos ?menos aptos? do que as outras nações para esta disciplina. Parece evidente que os adultos constroem muitas destas dificuldades, por acharem que estas disciplinas são ?muito importantes?. E são. Mas não são únicas. Esta ?mania? dos adultos vê-se, mais recentemente, no caso do Inglês. A língua instituiu-se como internacional. Esta importância não terá feito dos programas algo demasiado exigente? Por que razão começa agora o inglês a juntar-se aos rankings de maior insucesso? Está também a transformar-se numa ?disciplina nobre??
E não se faz aqui apelo ao ?facilitismo?; só à realidade.
Depois vêm todas as outras disciplinas, com maiores ou menores índices de insucesso, de acordo com diferentes variáveis: História, Geografia,  Ciências - Naturais e Físico-Químicas- ,  Francês e outras. Já não têm a ?nobreza? das anteriores, mas ainda são ? muito respeitáveis? e ajudam à retenção de muitos meninos.
As ?parentes  mais pobres? são as disciplinas das áreas de expressão propriamente ditas: a Educação Musical, a  Expressão Dramática, a Educação Visual e a Tecnológica e a Educação Física. Este é o estatuto que lhes parece ser dado no Ensino Regular. Quem quer melhorar estes conhecimentos nos filhos, procura os Conservatórios, Ateliers, cursos de Verão. Mas se a expressão artística se centra muito nestas áreas, convém não esquecer que os alunos também se expressam nas outras disciplinas: há expressão oral e escrita; há expressões matemáticas.
Quer-se com isto dizer que a formação integrada de um indivíduo passa por todas as disciplinas e que, possivelmente, o aluno que sente com o seu corpo a música durante uma dança talvez seja mais capaz de entender a lógica matemática ou a construção de uma frase. Não que aqui se entenda que as disciplinas das áreas ditas de expressão devam ser encaradas como suporte das outras. Acredita-se, isso sim, que todas fazem igualmente parte da formação dos futuros cidadãos, que todas valem por si só, que todas têm, se quisermos, um estatuto elevado. É uma história antiga esta que tem que ultrapassar a ficção.
É preciso revalorizar a Gestão Flexível do Currículo. Os Projectos Curriculares servem exactamente para integrar todas estas formas de conhecimento, estas maneiras de sentir e de exprimir o mundo em que se vive. E que não se faça da Área de Projecto, do Estudo Acompanhado e da Formação Cívica uns autênticos ?sem-abrigo?.
Há-de haver governantes capazes de re-equacionar e de dinamizar tudo isto.
Assim se espera.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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