Página  >  Edições  >  N.º 144  >  As responsabilidades sociais da escola pública ? III

As responsabilidades sociais da escola pública ? III
Perguntávamos, no último artigo de «a Página», se a Escola Pública, em Portugal, tinha condições para assumir as suas responsabilidades educativas, em função das quais se torna possível a assunção das suas responsabilidades sociais. Partindo-se do princípio que tais responsabilidades se manifestam quer através do trabalho docente dos seus professores e das exigências e condições que as escolas lhes colocam e lhes propiciam para poderem realizar esse trabalho quer, ainda, através das possibilidades e oportunidades de que as escolas dispõem para desenvolver projectos de natureza socio-
-pedagógica, inquiria-se, também, como é que é possível que as escolas assumam tais responsabilidades. Do nosso ponto de vista, há duas condições maiores a respeitar: uma que se relaciona com o combate pela descentralização e pela desburocratização do sistema educativo português e outra que deriva da necessidade de as escolas passarem a poder contar com outros técnicos superiormente qualificados que possam ser os elementos responsáveis pelo desenvolvimento de intervenções que, sendo necessárias, não deverão ser assumidas pelos professores quer porque as responsabilidades destes no seio das escolas são de outra natureza quer porque, importa reconhecer, a generalidade dos professores nem se encontram capacitados para as realizar nem, tão pouco, poderão ser obrigados a fazê-lo. 
Se a primeira das condições enunciadas constitui uma reconhecida pretensão de largos sectores da cena educativa portuguesa, em função da qual se afirma a necessidade de as escolas poderem ampliar o seu espaço de tomadas de decisão ao nível da gestão financeira, ao nível da gestão dos seus recursos humanos, ao nível organizacional, ao nível curricular e ao nível pedagógico, de forma a poderem ser efectivamente responsabilizadas pelos resultados que obtêm, a segunda condição implica uma discussão que terá ser realizada em função de um conjunto de parâmetros que convém enunciar.
O primeiro desses parâmetros tem a ver, precisamente, com o facto de as escolas poderem ter liberdade para contratar o seu pessoal não-docente superiormente qualificado. Uma reivindicação que não poderá ser confundida com qualquer tipo de apelo à precarização do emprego destes técnicos, mas tão somente com a afirmação do exercício da autonomia das escolas, necessária para que estas possam ser responsabilizadas pelas acções que protagonizam. Isto significa, então, que são as escolas que deverão decidir, face aos propósitos que as animam e aos problemas que enfrentam, qual o perfil dos técnicos superiores de educação que mais lhes convêm. O campo de recrutamento é plural e não poderá ser confinado, apenas, aos psicólogos e aos assistentes sociais. Para além destes, temos ainda os licenciados em Ciências da Educação ou em Educação, os educadores sociais ou, eventualmente, os licenciados em Sociologia. 
O segundo parâmetro a ter em conta diz respeito, por sua vez, ao enquadramento institucional deste técnicos, situação que deverá ser acautelada para não se correr o risco nem de alimentar poderes fáticos no seio das escolas nem de alimentar poderes paralelos às mesmas. Não é necessário, por isso, que se construam estruturas de coordenação exteriores às escolas que supervisionem o trabalho daqueles técnicos, já que os diversos órgãos e instâncias de gestão que, hoje, as escolas possuem são suficientemente capazes de, com a participação dos técnicos em causa, assumir tal papel.
O terceiro parâmetro que não poderemos deixar de referir prende-se, finalmente, com o conteúdo genérico das funções a desempenhar pelos profissionais de educação em causa. Merecendo uma discussão mais detalhada, sempre se pode considerar que o trabalho destes profissionais não poderá ser um trabalho de compensação ou de substituição dos professores e dos técnicos que operem em instituições a jusante e a montante das escolas. As escolas não poderão passar a ser entendidas como que uma espécie de IPSS?s, nem ser transformadas em delegações dos Serviços de Assistência Social e dos Centros de Emprego ou em extensões dos Tribunais de Menores, se bem que se torne possível, graças ao trabalho daqueles profissionais, a construção de parcerias efectivas entre as escolas e as instituições acabadas de referir, capazes de gerar sinergias que a todos possa beneficiar. O trabalho do pessoal não-docente superiormente qualificado é um trabalho que visa ampliar a capacidade de intervenção educativa das escolas, não podendo ser confinado nem a intervenções de carácter clínico nem a intervenções de carácter eminentemente social. Podemos defini-lo como um trabalho de carácter socio-pedagógico que se afirme, sobretudo, através da coordenação, supervisão e participação no desenvolvimento de projectos específicos que a essas escolas digam respeito (combate ao abandono escolar, estabelecimento de parcerias com instituições da comunidade, prevenção da delinquência em contexto escolar, etc.); através, também, de acções diversas de consultadoria ou, finalmente, através da sua participação em acções de avaliação e monitorização que possam ser úteis à instituição escolar e à comunidade educativa no seu todo.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo