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A Escola Pública e a construção da educação como um bem comum

Este é um tempo de encruzilhadas. Se deixou de ser possível pensar o governo da Escola Pública como a tarefa de uma administração centralizada e burocrática não é desejável, também, pensar que a alternativa ao Estado Educador seja ?a criação artificial de um mercado educativo sustentado com dinheiro público? (Barroso, 2004: 19). É que se a primeira opção enunciada deixou de responder à configuração sócio-
-política e cultural das sociedades contemporâneas, a segunda constitui uma ofensiva contra os valores e os propósitos que legitimam a Escola Pública enquanto instrumento que permite garantir a construção de uma sociedade democrática, capaz, por isso, de assegurar que todos os que nela participam possam realizar-se como pessoas no seio de uma comunidade de iguais. Sendo esta uma reflexão difícil de realizar, devido ao conjunto de não-ditos e de ambiguidades que sustentam muitos dos discursos que se produzem neste âmbito, é, mesmo assim, uma reflexão tão necessária quanto urgente. Uma reflexão que possa superar a comodidade dos lugares-comuns, de forma a discutir-
-se quer o papel do Estado como instância de regulação política quer a dimensão e a qualidade das parcerias que se estabelecem entre este mesmo Estado, as escolas, os actores sociais que nelas participam - ou deveriam participar - e, finalmente, as comunidades que envolvem as nossas escolas.
A Escola Pública não pode continuar a ser identificada como uma Escola Estatal, do mesmo que não pode ser posta em causa pela ficção mercantilista e socialmente injusta de que as escolas privadas podem assegurar, de forma generalizada, uma oferta pública de educação que resolva o que se afirma ser a crise daquela mesma Escola. Urge pois sair deste impasse e afirmar que não é o investimento estatal nas escolas que garante o seu carácter público, mas o facto de nessas escolas se poder construir ?um bem comum local que é a educação das crianças e dos jovens? (Barroso, 2004: 19), um bem comum que, para o ser, necessita que as escolas reconheçam de forma congruente e consistente os direitos dos seus alunos, bem como as suas necessidades, interesses e anseios (Barroso, 2004). Face a tal pressuposto, constata-se que o Estado tem um papel a cumprir que deixou de ser, todavia, o papel principal. Esse papel, a existir, compete às escolas assumir, mobilizando de forma diferenciada os diferentes tipos de actores que nelas participam, de forma a potenciar a construção de projectos educativos que possam estimular a apropriação, por parte dos alunos, do património cultural que a todos diz respeito, condição do desenvolvimento de competências cognitivas, interpessoais, cívicas e sociais que essa apropriação deverá permitir.  
É necessário, assim, que as escolas possam assumir responsabilidades mais latas, enquanto instâncias de produção educativa e que o Estado cumpra as obrigações que, por contrato, lhe dizem respeito. É necessário discutir, também, se uma maior autonomia das escolas corresponde a que se tenha que outorgar uma maior fatia de poder aos professores ou se se deverá, antes, promover a reformulação de redes sociais locais, no seio das quais os docentes ocupam, inevitavelmente, um papel de primeira grandeza. É necessário discutir, finalmente, se a afirmação da Escola Pública não expressa a necessidade de pensarmos a sua realização de forma mais abrangente, a partir do reconhecimento da importância que em termos sociais assume, no mundo contemporâneo, a ?multiplicação das instâncias e momentos de decisão, a diversificação das formas de associação no interior dos espaços públicos e o envolvimento de um maior número de actores? (Barroso, 2004: 21) que aí possam ter lugar.
Em suma, não se pode continuar a proceder ao debate em torno da Escola Pública como um debate sujeito ao primado da dimensão administrativa e organizacional das escolas. O debate passa por aí, mas não poderá ficar circunscrito a essa dimensão. É um debate que, por isso, não poderá descurar a dimensão curricular e pedagógica dos projectos de educação escolar, quanto mais não seja porque a tão reivindicada autonomia das nossas escolas só faz sentido como uma exigência que permita às escolas assumir maior capacidade de intervenção e de resposta face às exigências e aos problemas singulares e concretos que quotidianamente lhes são colocados. É, finalmente, um debate que obriga a discutir quais são as responsabilidades sociais da Escola como instância de socialização das gerações mais jovens e, posteriormente, se as pode cumprir face ao conjunto de recursos de que, actualmente, dispõe. Não é, por isso, uma reflexão simples quer devido à abrangência da problemática em análise quer devido ao facto de ser um campo de disputa que põe em evidência o corporativismo e o antagonismo dos interesses em presença. Como encontrar um denominador comum, no âmbito de uma Escola Pública que deve assumir a educação como um bem a partilhar, entre os actores sociais envolvidos nessa escola? Quais os critérios políticos, sociais, culturais e pedagógicos a respeitar para se poder construir esse denominador comum? Quais os compromissos que, face a tal denominador comum, todos serão obrigados a respeitar?   
São estas as questões que orientarão, em próximos artigos, a nossa reflexão e permitirão sustentar a abordagem de outras questões subsequentes a estas que, igualmente, não poderemos continuar a iludir.

Bibliografia

BARROSO, João (2004). Escola da Ponte: Defender, debater e promover a Escola Pública. In CANÁRIO, Rui; MATOS, Filomena; TRINDADE, Rui (Orgs.), Escola da Ponte: Defender a Escola Pública (11 ? 23). Porto: Profedições.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 140
Ano 13, Dezembro 2004

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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