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Poesia

Mas lembrei-me deste tema, estas escritas-definições. É poética a Lua, sabendo nós que não passa de mais um planeta, massa cósmica menor que a Terra? É. Porquê? Não sei, mas é poético o luar, existe poesia no sorriso de um rapaz a quem chamam "Sorriso", um lixeiro carioca, um "gari". É poético aquele sorriso permanente, mesmo para quem sabe que o sorriso é o resultado da contracção muscular na face, determinada por ordens cerebrais. É assim também porque nos dizem que ele sorri sempre, feliz com o nada que tem... Isso é bom? É bonito? Parece que sim. É poético o futebol na areia, jogado por amadores, ao fim do dia, nas praias de todo o mundo? É. Porquê? É poética a corrida de Fórmula 1? O jogo de futebol profissional? Só quando a vitória é sentida como nossa.
Nessa altura, só então, essa poesia leva multidões felizes às ruas. A poesia pertence à negação da descrição científica, objectiva, pertence ao êxtase. A poesia-triunfo, está ligada à guerra, à vitória, à nossa afirmação, por interpostas pessoas sobre outros que nomeamos inimigos.
Há poesia no facto de termos inimigos? Há! Porque nos identificamos com o atleta vencedor, que "representa" o nosso país? Temos algo contra os outros? Não. Mas isso é incrível, absurdo. No filme "O Paciente Inglês", desenvolve-se este tema, como pano de fundo invisível, o da existência possível da mais profunda vivência poética porque existe guerra. Também na história do sniper Zaitsev, em Stalingrad, estamos entre a morte e o amor, o amor com sexo feito com amor.
O frigorífico não me parece poético. O computador também não. Programas informáticos, Internet, não são poéticos. A piscina, o som do rádio, o deserto, o cigarro, podem ser poéticos, como o avião. Porquê? Há tantos assuntos assim: se soubesse responder não saberia talvez explicar.
Mentia se afirmasse entender. Não há quem tenha de saber tudo, não há quem tenha de explicar tudo. Disse isto e lembrei-me de tantos e-mails poéticos... das pessoas que vivem no apartamento ao lado com quem comunico menos do que com tantos outros, da Austrália ao Brasil, passando por Moçambique. Não compreendemos e no dia em que isso sucedesse era ainda pior. Essa incompreensão que tentamos explicar é profundamente poética, como os encantadores pombos que pelas praças de todas as cidades poisam e voam, muito mais que aquele pombo que faz tantos anos estudei, dissecado em livro numa disciplina a que chamavam Ciências Naturais.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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