Uma mudança que é sustentada, em larga medida, por um equívoco: o de que nos tempos em que havia exames os alunos realizavam aprendizagens significativas em todas as áreas e, particularmente, nas áreas de Língua Portuguesa e de Matemática.Os exames no 6º ano de escolaridade vão voltar a acontecer, anunciou o senhor ministro da Educação, tendo o cuidado de evitar referir-se, no entanto, ao peso da nota de tais exames na classificação final dos alunos que os realizarem. Falar-se-á do fim da bandalheira. Elogiar-se-á a acção do Governo, neste âmbito e, mais uma vez, promover-se-á uma operação de propaganda que evitará um debate sério e honesto, bem como a adopção de soluções exequíveis e ponderadas, que nos possam ajudar a enfrentar o problema dos resultados académicos negativos de um número significativo das crianças e dos adolescentes que frequentam as nossas escolas Ensino Básico. É um filme já visto. Foi assim que aconteceu quando se promulgou quer o novo estatuto disciplinar dos alunos deste nível de ensino quer o novo regime de avaliação a adoptar neste âmbito. O que mudou, no entanto, desde há dois anos a esta parte? Nada. O que poderia ter mudado? Nada também, já que nem a nova legislação previa o que quer que fosse de substancialmente diferente que a anterior já não prevesse, nem os problemas que essas iniciativas jurídicas visavam resolver poderão, algum dia, ser resolvidos por decretos-lei redigidos com fins propagandísticos. Não é difícil adivinhar, por isso, o que nos espera. Nada mudará, embora se crie a ilusão de que alguma coisa vai mudar. Uma mudança que é sustentada, em larga medida, por um equívoco: o de que nos tempos em que havia exames os alunos realizavam aprendizagens significativas em todas as áreas e, particularmente, nas áreas de Língua Portuguesa e de Matemática. Trata-se de uma crença que, independentemente da sua razoabilidade, expressa paradoxalmente uma profunda desconfiança face à possibilidade das escolas portuguesas fazerem mais e melhor do que aquilo que actualmente têm vindo a fazer. É que os proclamados resultados positivos das escolas do passado, que por sinal nunca foram sujeitos a qualquer tipo de plebiscito público, tinham mais a ver com as condições de vida dos alunos que as frequentavam do que propriamente com a excelência dos métodos dos seus professores e da sua organização pedagógica. A haver excelência esta era construída à custa da exclusão daqueles que constituíam um desafio à capacidade dessas escolas influenciarem educativamente e de forma duradoura as suas vidas. Neste contexto, os exames faziam todo o sentido. E hoje, para que servem e para que é que queremos os exames? Em última análise, reconhecemos, não são os exames propriamente ditos que constituem o elemento mais demagógico e irresponsável da iniciativa governamental, mas as duas mensagens subliminares que se escondem por detrás desta iniciativa. A primeira, através da qual se faz passar a ideia de que com os exames se instala a exigência e o rigor necessários à promoção da qualidade educativa das escolas e a segunda em função da qual se cria a ilusão de que tal objectivo pode ser facilmente alcançado e capazmente concretizado. Será que, por exemplo, o Ensino Secundário, onde os exames assumem um papel regulador decisivo e inquestionável, pode ser avaliado como um ciclo de escolaridade bem sucedido e com credibilidade pedagógica, social e cultural suficientes? Em suma, é importante que comecemos a compreender que um dos efeitos mais perniciosos da política conservadora e incompetente do actual Ministério da Educação tem precisamente a ver com a utilização abusiva dos termos rigor e exigência para escamotear o laxismo e a ausência de iniciativas credíveis e pertinentes. O anúncio dos exames no 6º ano de escolaridade ilustra de forma inequívoca tal afirmação, sobretudo quando nos lembramos dos rituais de estudo dos alunos do Ensino Secundário à procura das respostas certas, num jogo de adivinhas, que os transforma numa espécie de ursos amestrados preparando-se para a exibição da noite ou das práticas que alguns professores do 1º Ciclo adoptaram para garantirem o desempenho adequado dos seus alunos nas provas de avaliação aferida que se realizaram há uns anos atrás, quando, no 3º período, os seus alunos dedicaram uma parte significativa do seu tempo lectivo a realizarem fichas de trabalho, adquiridas no mercado livreiro, como parte decisiva do treino para a realização dessas provas. Mas o que se pode esperar de um Ministério que não só demonstrou uma total incapacidade para produzir um diagnóstico credível e útil acerca dos problemas de ensino e aprendizagem em Matemática, como, ainda por cima, marginalizou, no âmbito deste processo, a Associação de Professores de Matemática que nesta área possui um trabalho de intervenção e de investigação tão relevante e sustentado? O que se pode esperar de um Ministério que levanta tantas dificuldades às escolas, impedindo-as de assumir iniciativas, pelas quais possam ser efectivamente responsabilizadas, que venham a constituir respostas pertinentes quer face aos desejos educativos que gostariam de concretizar quer face aos problemas que têm para resolver? O que se pode esperar de um Ministério que, no mínimo, continua a alimentar a crença insana em função da qual se defende que a qualidade do trabalho educativo dos professores se afere e, por isso, é estimulada através dos exames a que os seus alunos são submetidos? O que se pode esperar de um Ministério que não compreende que a função dos exames não é a de regular, mas a de prescrever, os percursos e os resultados dos alunos, dos docentes e das escolas, constituindo-se assim, nuns casos, como factor potenciador de insucesso e noutros como factor inibidor da capacidade dos contextos escolares exercerem uma influência educativa mais ampla e ambiciosa ?
|