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Será que vai ser desta?

?E que ninguém fique impune do uso irresponsável da liberdade, seja quem for e qualquer que seja a função que ocupa na sociedade. Só uma sociedade que cultive a responsabilidade e peça contas dos usos irresponsáveis da liberdade, será verdadeiramente livre.?
D. José Policarpo, Janeiro de 2004

Cerca de 1985, sucedeu em Fronteira um caso que aqui recordo. Dois irmãos hemofílicos tornaram-se seropositivos devido a transfusões sanguíneas e, a segregação ?escolar? chegou, com argumentos inacreditáveis. Apesar de tenaz luta acabaram por se mudar, creio para Évora, dada a situação discriminatória criada, passando a escolarização a ser doméstica, feita por uma religiosa que a tal se dispôs. Todos os intervenientes terão saído incólumes desta grosseira violação dos mais elementares direitos de qualquer pessoa. Entreabriu-se a porta ao livre arbítrio no mundo da Escola.
A última ocorrência envolvendo crianças ciganas foi em Bragança: no ano lectivo de 2002/03, numa EB1 foi criada uma turma de 19 alunos (entre os 11/12 anos e os 18/19) com 8 ciganos. Alguns transitaram para o 2º ciclo pelo que, este ano, a integração foi tentada numa EB/2,3 cujo Conselho Executivo recusou recebê-la por falta de condições e pedindo parecer à Associação de Pais. Iniciado o ano escolar, multiplicaram-se as reuniões (como sempre, indispensáveis) entre representantes de várias entidades, talvez para solucionar o ?problema? criado. Mas, em Janeiro, o mais velho passou para o recorrente, os outros desapareceram. Restavam dois alunos, ciganos, que recusaram voltar devido à hostilidade gerada!
Há exemplos anteriores (Quinhendros, Vila Verde, Ferreira do Alentejo, etc?) de crianças ciganas serem impedidas de aceder ao conhecimento que todos desejam para os seus rebentos. Só que, a responsabilidade integradora cabe à Escola i.e., a todos quantos a compõem.
Com tais atitudes, pais, educadores, comunidades, fomentam ódios, marginalização, discriminação, tornam vãs palavras como solidariedade, justiça, equidade, interculturalidade, e põem em causa a educação para a cidadania e a sã convivência. Permitem-se colar em montras, ou exibir, imagens de sapos nos seus estabelecimentos, em Beja ou, há pouco, no coração de Lisboa, ao Campo Grande. Querem «banir a presença de cidadãos ciganos» das suas superfícies comerciais, usando o pavor que estes animais e suas representações lhes causam. É difícil encontrar palavras certas para qualificar tais formas de ódio de estimação.
Não é altura de se pedir contas a quem faz mau uso, ou uso errado (que é o mesmo), das competências que lhe são cometidas? E, que não permaneçam impunes, até para exemplo dissuasor de novas e arrogantes investidas. A epígrafe com palavras do Patriarca de Lisboa sintetiza o nosso pensamento.
Mas, boas notícias são sempre bem vindas: a TVI promoveu o ?Prémio Literário Acontecimento do Ano 2003?, pedindo aos estudantes dos vários graus de ensino que fizessem textos colectivos acerca do que mais os havia impressionado no ano passado. Conhecidos os resultados soube-se da atribuição de um prémio especial, para o 1º. ciclo, dado a um grupo de alunas (e um aluno, todos pertencentes a uma comunidade cigana, conforme quiseram assinalar) da EB1 de Pombal. Frequentando o recorrente, escreveram sobre as duras condições de vida numa barraca em que habitam. São eles: Albertina Emídio, 35 anos, Albertina Fernandes, 39 anos, Isabel Emídio, 37 anos, Telma Emídio, 19 anos e Manuel Pinto, 23 anos. Parabéns!
Para tentar alterar a vida do povo cigano, foi declarada «2005-2015 Década da Comissão Europeia para a integração dos Roms», em parte coincidindo com a década da «Educação para Todos». Pode ser o grande pretexto para a desejada mudança em Portugal, em especial para a escolarização destas crianças, daí a pergunta escolhida para o título. 
Em Novembro voltarei. No próximo número cá estará a Laura Valadares com ?Vida desregrada em trabalho de grupo?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Elisa Costa
Historiadora
Elisa Costa
Historiadora

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