Rui D'Espiney, Coordenador Nacional do Projecto Escolas Rurais e Director Executivo do Instituto das Comunidades Educativas, argumenta nesta entrevista, entre outras questões, porque razão encontra na periferização do mundo rural causas para o insucesso escolar.
Enquanto responsável máximo pelo Instituto das Comunidades Educativas, como encara os argumentos apresentados pelo Ministério da Educação para a reorganização da rede escolar, de que a faceta mais visível é o encerramento de milhares de escolas em meio rural?
Perante a sua questão começo com um comentário ao facto de me pedir uma opinião ?enquanto responsável pelo ICE?. Penso que daqui pode resultar algum equívoco: Desde logo a ideia de que é só o ICE que está em desacordo, o que não é verdade. O propósito de encerrar escolas vem de longe e é defendido expressamente e intentado sistematicamente pelos serviços do Ministério desde que viram nas Escolas Básicas Integradas o ?caminho? (que faltava) para legitimar a concentração em que investem. Foram, no entanto, precisos 12/15 anos para o impor (e mesmo assim de forma não totalmente conseguida). Porquê? O que travou esse processo? O facto de muitas outras instituições partilharem a minha/nossa perspectiva. A verdade é que o próprio projecto das Escolas Rurais tem na sua raiz não o ICE ? que não existia ? mas um(a) autarca; e foi a partir de uma Escola Superior ? a ESE de Setúbal, ou mais precisamente de uma projecto que se desenvolvia a partir dessa escola ? a Rede de Pólos de Acção Educativas - que ele se estruturou e organizou. Depois, a ideia de que é o ICE enquanto instituição que se considera posto em causa. De modo algum. O que está em causa é o local (rural) e um projecto de escola de novo tipo. Quanto aos argumentos propriamente ditos concordar-se-á que não aceite discutir, nas dez ou vinte linhas de que aqui disponho o que vem sendo dito, com direito a primeira página ou a notícia de telejornal, por membros do governo e da administração (para não referir conhecidos comentadores e mesmo sindicalistas). Fi-lo em artigo que publiquei recentemente no Notícias da Amadora e onde explico porque considero (e considera a rede de parecerias implicada no projecto) que carece de validade a ideia do Ministério de que a pequena escola é, por pressuposto, uma escola de insucesso, a ideia que lhe está subjacente de que a criança de meio rural passa a ter sucesso quando transferida para uma escola grande, ou, até mesmo, a ideia de que há uma economia de custos na concentração de escolas. O que aqui posso fazer é sugerir a sua leitura. Entretanto poderá ajudar à compreensão dos pressupostos em que se apoia este nosso olhar critico, o texto do professor José Alberto Correia, incluído neste número.
Uma das principiais acusações feitas às escolas de meio rural é o facto de o seu isolamento favorecer o insucesso escolar. No entanto, como referiu nesse artigo publicado no jornal Notícias da Amadora, ?o centro de gravidade do insucesso não está na dimensão da escola mas na natureza periférica do mundo rural?. Ou seja, mais do que um problema de natureza meramente educativa está-se perante um problema de natureza económica e social, agravado pela inexistência de uma política coerente que privilegie o desenvolvimento do interior do país. Concorda?
Concordo plenamente. Nesse mesmo texto, que cita, recordo duas coisas que reforçarão o que diz. Em primeiro lugar o facto de o insucesso escolar das crianças de meio rural não ser um fenómeno recente, inerente à escola ?desertificada?: no passado, quando as turmas eram grandes, o insucesso em meio rural já era muito superior ao do mundo urbano; e hoje, nos concelhos rurais onde houve concentração de escolas, continuam a ser as crianças das aldeias as mais atingidas. Em segundo lugar, o facto de o insucesso escolar também atingir, com taxas igual ou ainda mais elevadas, as crianças do mundo urbano periférico. O que está em causa não é, de facto, o urbano ou o rural mas a sua periferização, a sua exclusão.
O Instituto das Comunidades Educativas tem desenvolvido nos últimos anos o projecto das Escolas Rurais. Como o caracteriza e que balanço faz dele?
Para responder a esta questão socorro-me do relatório de uma investigação realizada por uma equipa orientada pelo Manuel Sarmento, da Universidade do Minho. A partir dos documentos que consultou, das várias visitas que fez, das iniciativas a que assistiu e das muitas reuniões em que participou, ao longo de mais de um ano, considera, essa equipa, que o Projecto das Escolas Rurais constitui, hoje, um movimento que exprime ?uma lógica de acção educativa de sentido cívico e comunitário? que entende «a escola como um elo de política social que se não esgota na transmissão de saberes e valores às novas gerações, mas que se deixa ?contaminar? pela comunidade, ao mesmo tempo que contribui para a construir e desenvolver.» Reconhecendo-se, nesta uma síntese de apresentar o projecto que se trata de uma abordagem educativa que implica uma reconfiguração política da escola, sublinha simultaneamente a equipa o facto dessa abordagem se operacionalizar através de um conjunto de ?práticas educacionais em meio rural? que, em seu entender, definem a pedagogia do movimento. De entre as práticas que identifica enquanto ?formas recorrentes de acção pedagógica?, destaco pela pertinência que poderá ter para as aprendizagens ?escolares?: a escrituralização das culturas rurais, o trabalho da pesquisa patrimonial, prioridade à educação ambiental, a pedagogia do fazer e as metodologias de projecto e as pedagogias da comunicação e dos intercâmbios e da participação, a reconfiguração dos espaços educativos. No que se refere aos adquiridos do projecto, refere a equipa ?a titulo de exemplo: a correspondência interescolar (individual ou colectiva); integração e desenvolvimento de projectos promovidos por várias entidades; criação e animação de Museus; animação de Centros de Dia; recuperação de património local; publicação de brochuras; jornais escolares, feiras de produtos e tradições locais». Acrescentaria: a criação de centros rurais ambientais, ranchos, grupos de teatro e oficinas permanentes de produtos culturais, etc..
Refere também no seu artigo que em muitas pequenas escolas do país pode encontar-se ?uma riqueza de recursos que não deixa a desejar à que vemos nas grandes escolas? e que estas encontram o seu sentido se tirarem partido da sua heterogeneidade e se forem vistas como espaço educativo alargado da própria comunidade. A aposta nesta escola, conclui, é ?a aposta na possibilidade de responder à crise do mundo rural pela inovação e o futuro?. Como encaram esta perspectiva os professores e os parceiros educativos com quem tem trabalhado?
Não é o ICE que dá vida aos pólos de desenvolvimento que vêm sendo criados. São os professores, as crianças, as famílias, as comunidades locais o que significa evidentemente, não só que há adesão como entusiasmo. Naturalmente estas apostas pressupõem uma crença, mas uma crença que se constrói com as apostas. Uma única coisa se pode opor ao envolvimento dos professores: os obstáculos levantados pela administração. O desalento que aqui ou além se faz sentir não vem da descrença na possibilidade de recriar o local; vem do desmerecimento, da insensibilidade que enformam e informam várias medidas que os atingem.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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