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A escola ainda só vê o ambiente como um tema "simpático"

O ambiente é uma área ainda pouco divulgada no nosso país. Menos ainda quando se fala dos técnicos que integram o seu universo. Sabe, por exemplo, o que é um engenheiro do ambiente e o que faz? Fomos falar com Cláudia Costa, recém licenciada nesta área, e procurar descobrir um pouco mais acerca desta actividade, questionando-a sobre alguns dos temas quentes que dominam o ambiente em Portugal.

O que é ao certo a Engenharia do Ambiente?
                                                   
A Engenharia do Ambiente tem uma vertente essencialmente industrial, mas está igualmente vocacionada para outras áreas como o planeamento do território e a investigação de novas tecnologias ligadas ao ambiente.
O engenheiro do ambiente tem como função procurar o desenvolvimento sustentável, ou seja, o equilíbrio entre o desenvolvimento das actividades sócio-económicas e a gestão adequada dos recursos naturais e energéticos. Projectar uma indústria, por exemplo, de modo a que se evite a criação e a consequente necessidade de tratamento dos resíduos, numa perspectiva preventiva. O caso da utilização da água é elucidativo: em vez de descarregar água residual para o domínio hídrico há que fazê-la circular, reaproveitando-a para outros fins de forma a evitar ter de recorrer à fonte de captação.

O que te levou a optar por esta área profissional?

De certa forma sempre estive ligada afectivamente a esta área ? fiz inclusivamente parte de uma associação ambientalista quando era mais nova -  mas devo confessar que ela acabou por ser uma segunda opção, já que a minha intenção inicial era seguir medicina veterinária. Optei por engenharia do ambiente não numa perspectiva de poder ?salvar o mundo?, mas encarando-a como uma profissão necessária, que me põe em contacto com a natureza e com o mundo real. É uma profissão activa, em que se podem testemunhar os resultados da nossa acção, se não a curto, pelo menos a médio prazo.

Qual é a procura por esta área de formação em Portugal?

Existe já um bom número de técnicos nosso país, mas o seu conhecimento não está a ser devidamente aproveitado. Há técnicos nas autarquias que se limitam a questões meramente processuais como a medição dos níveis de ruído e de poluição atmosférica, quando a sua acção deveria passar por questões mais abrangentes e em coordenação com outros técnicos, como biólogos, arquitectos paisagistas, sociólogos, urbanistas, etc? Faz falta pensar em termos mais globais. Cada câmara elabora o seu Plano Director Municipal sem ter em conta as especificidades do território contíguo. Isso começa a fazer-se, mas não ainda com a premência que exige.

Achas que o Estado investe o suficiente e de forma coerente na sensibilização ambiental?

Penso que apesar do contínuo investimento das instituições públicas na divulgação e sensibilização ambiental as pessoas ainda não interiorizaram a mensagem. O Estado tem alguma responsabilidade nesta matéria porque se limita quase exclusivamente à sensibilização para o tratamento de ?fim de linha?, como o destino correcto a dar aos resíduos sólidos urbanos. É necessário passar de uma atitude correctiva para uma atitude preventiva, que faça as pessoas questionar-se da necessidade de utilização de tanto papel ao invés de se lhes dizer que devem depositar o papel usado nas papeleiras ? ou seja, fazê-las pensar na origem do problema e não na sua resolução.
Por outro lado, é compreensível que para quem não tenha as suas necessidades básicas satisfeitas ? saber se amanhã ainda vai ter emprego ou comida na mesa ? as questões ambientais estejam no fundo da lista de preocupações. Neste caso, já será uma vitória as pessoas fazerem a separação correcta do lixo, mas não nos podemos dar por satisfeitos.

A escola vê o ambiente como uma questão ?simpática? ou tem noção de que é uma área de formação realmente importante?

Acho que a escola adere ao ambiente por uma questão de simpatia, já que os próprios professores não estão suficientemente sensibilizados para ele. Ou leccionam uma disciplina que de alguma forma está relacionada com o tema, como ciências, se interessam por ele e o incutem aos alunos, ou apenas por uma necessidade de cumprimento do programa. Até porque a teoria tem de ser concordante com a prática. Não posso estar a dizer aos alunos que devem fechar as torneiras e reduzir ao mínimo o consumo de água e electricidade e depois não aplicar este princípio no local de trabalho ou em casa.

Como caracterizarias a política ambiental em Portugal?
                                     
Quando nos tornámos membros da União Europeia a legislação ambiental começou a ser aplicada quase por obrigação porque tivemos de passar a cumprir determinadas metas que nos eram impostas. Apesar de actualmente se verificar uma menor inércia por parte das instituições, de certa forma esse panorama não se alterou muito, já que continuamos a ir a ?reboque? dos outros e não tomamos a iniciativa de nos adiantarmos em relação a eles.
A própria União Europeia contribui para esta situação, já que estabelece metas em função das condições sócio-económicas de cada país. De certa maneira, isto é admitir que a economia está à frente das questões ambientais. Apesar de poder correr o risco de parecer radical, na minha opinião mesmo os países mais pobres deveriam ter de cumprir metas igualmente exigentes, porque de outra forma nunca iremos recuperar o atraso em matéria ambiental.
Outro dos problemas é o facto de as directivas comunitárias demorarem muito tempo a serem transpostas para o direito interno, por vezes com um atraso de anos. Quando isso acontece muitas delas estão já desactualizadas e o processo repete-se.
Por outro lado, é fundamental encarar a fiscalização na área do ambiente com o mesmo rigor do que acontece com a higiene e segurança no trabalho, por exemplo, na qual um inspector pode, a qualquer momento, determinar o embargo de uma obra por incumprimento da legislação - uma situação que advirá provavelmente do facto de os acidentes laborais terem repercussões mais visíveis e responsáveis mais imediatos.

O nosso país tem algumas metas ambiciosas em termos de aproveitamento de energias renováveis. Achas que são objectivos para cumprir ou não passam de meras intenções?

O próprio Estado definiu algumas metas em termos de aproveitamento energético de edifícios públicos, mas não está a cumpri-las. Ou seja, aquele que devia dar o exemplo é o primeiro a prevaricar. E quem quer investir em energias renováveis depara-se com dificuldades acrescidas, porque os materiais e as tecnologias são caras e os incentivos são escassos. E mesmo neste campo há discrepâncias incompreensíveis, como é o facto de existirem apoios para a criação de parques eólicos e não haver o mesmo incentivo para o desenvolvimento de parques solares, quando se sabe que Portugal é o país da Europa com maior número de horas de exposição solar, o que poderia constituir uma excelente mais valia económica e ambiental.

Passando para um âmbito mais local, como encaram as autarquias o ambiente?

Há situações muito díspares. O caso de Oeiras, por exemplo, é pioneiro no país, já que foi o primeiro concelho a iniciar a recolha selectiva de resíduos porta-a-porta e a implementação de programas de sensibilização ambiental, ao passo que existem outras que ainda nem sequer acordaram para esta questão. Claro que, no fundo, tudo depende dos investimentos que cada autarquia define como prioritários. É compreensível, mas não aceitável, que nos locais onde ainda não exista uma rede de saneamento básico eficaz os autarcas elejam como prioridade a satisfação das necessidades mais imediatas da população e as questões ambientais passem para segundo plano ? (afinal, no sistema político e económico que vivemos as questões ambientais não dão votos).
De qualquer forma, o ambiente não tem, em geral, o mesmo peso que é atribuído a outras áreas e é habitualmente visto como uma questão secundária. A mesma imagem pode ser aplicada ao país. Se olharmos atentamente, os ministérios do ambiente e da cultura são as duas áreas com orçamentos mais reduzidos no contexto do orçamento geral do Estado. Dá-se mais dinheiro às forças armadas, por exemplo. Ou seja, no fundo tudo se resume a uma questão de prioridades políticas.

E as empresas? Encaram o ambiente como uma mais valia ou como uma mera obrigação legal?

Infelizmente ainda estamos numa fase em que é necessário fazer ver aos empresários deste país que implementando um sistema ambiental podem poupar nos custos finais da empresa ou, no mínimo, não ter prejuízo. E tudo passa por procedimentos relativamente simples, como implementar sistemas de poupança de água e de electricidade, que diminuem os gastos ao fim do mês e contribuem para a redução de gastos energéticos tanto para a empresa como para o país ? e, numa análise mais global, para o próprio planeta. Apesar de não parecer à partida uma relação evidente, o reforço da higiene e da segurança no trabalho ? que, na minha opinião, não deve ser dissociada da implementação de regras ambientais ? é outra das medidas que pode contribuir para a melhoria das condições laborais e, logo, para a redução de custos.
Acima de tudo julgo que o principal papel do engenheiro do ambiente deverá ser contribuir para mudar a mentalidade dos empresários que vêem na certificação ambiental apenas um ?pedaço de papel? que lhes custa caro e não traz vantagens imediatas.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Cláudia Costa
Engenheira do Ambiente
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Cláudia Costa
Engenheira do Ambiente

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