Rankings
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Quem fica com a espumadeira, quem leva o secador de cabelo
Nas festas populares de outros tempos, havia sempre umas rifas, umas tômbolas,
uns jogos em que os concorrentes se habilitavam a ganhar qualquer coisinha.
Podia ser uma garrafa de espumante barato, uma concha para a sopa, uma espumadeira,
uma caneca e até, nas mais ambiciosas, uma torradeira ou secador de cabelo.
Os prémios eram à medida do investimento, das ambições e dos sonhos dos jogadores.
Como os rankings do senhor ministro David Justino.
Quando no dia sete deste mês de Outubro, li no Público, a desenvolvida propaganda
ao ranking das escolas, vieram-me à lembrança os velhos jogos de tômbola e
sorteios das festas populares. Folheei o jornal, com o sentimento crescente,
de que alguém se esforçava por me fazer interessar em saber, a quem tinha
saído o secador de cabelo e quem ficava com a espumadeira.
Os rankings das escolas ? os agora dados a público e os do ano passado ? estão
imbuídos da mesma rasquice e ingenuidade bacoca, da mesma ambição pequenina,
dos velhos sorteios popularuchos. Só diferem na canalhice, que sustenta a
ideia da bondade dos rankigs. Os sorteios eram promovidos por gente simples,
calma e amiga. Os rankings são promovidos por gente agressiva, competitiva,
estúpida, velhaca e com uma visão canalha da vida.
A rasquice dos rankings deste ano, começa no editorial gabarola e pateta do
director do jornal Público, passa pelos «cientistas» de faz de conta que os
elaboraram, contagia os pataratas das escolas e famílias que lhe dão crédito,
e culmina nos simplórios que governam a educação portuguesa, em especial,
no senhor ministro Justino. Se a rasquice ficasse confinada a este mundinho
desprezível, não me sentiria na necessidade de dizer nada. Mas a doença pode
ser contagiosa.
A doença é contagiosa, não por ter vitalidade em si mesma, mas porque conta,
para se difundir, com gente excitada e patarata no governo e gente ignorante
e saloia na imprensa, rádio e TV. Esta doença dos rankings pode atacar alunos,
professores e pais ? pessoas inocentes e sérias ? que nas escolas e nas famílias,
pedem apenas que as deixem ensinar, aprender e ver os filhos crescer de forma
alegre e saudável.
Os rankings das escolas são terroristas pelas doenças que espalham. Mentem.
Intoxicam a opinião pública. Criam falsas visões da escola. Subvertem as actividades
educativas e de ensino. Confundem aprender com competir e avaliar competências
e saberes com exames. Exigem que se reduza a educação à instrução. Não têm
em conta os alunos que ficando pelo caminho, não chegam aos exames. Ignoram
a verdadeira produção de insucesso de escolas e colégios. Não têm em conta
as taxas de repetência. Ignoram a diferença entre os que vão a exames, apenas
sustentados no trabalho das escolas, e os que vão sustentados em explicadores.
Comparam alunos internos e externos. Escolas que levam a exame um aluno com
as que levam 100. Escolas que acolhem qualquer aluno com as que os escolhem.
Fazem crer que o saber e a formação dos alunos, se traduz nos resultados
de exames desta ou daquela disciplina. Vão ao desplante de querer escalonar
a inteligência e a capacidade dos alunos, pelos resultados que estes obtêm
nos exames de matemática e português. Enxovalham quem não merece. Induzem
em erro. Numa palavra, comparam alhos com bugalhos, e retiram daí conclusões
ridículas e estúpidas.
Objectivamente estes rankings comparam os resultados de um grupo de alunos,
que num dado momento, foi fazer um exame. O que se pode saber, é que o aluno
A, teve uma melhor classificação no exame, do que o aluno B. As razões que
explicam os resultados são muitas, mas dizem respeito aos alunos que se comparam
e não às escolas que frequentaram. O aluno A pode ter tido melhor classificação
do que o aluno B, porque o A, teve explicações durante toda a sua vida escolar,
e o B, não teve uma única vez. Isto não tem nada a ver com o desempenho das
escolas e dos professores. Menos ainda com a sua hierarquisação em melhores
e piores. No exame, avaliam-se fragmentos de conhecimento dos alunos e não
a actividade global das escolas. Em certas circunstâncias, podemos mesmo pensar,
que ter bons resultados nos exames, pode significar um mau desempenho da escola
ou do colégio, que resumiu o seu trabalho, ao treino para exames. Hierarquizar
o desempenho das escolas e dos professores, através da leitura dos resultados
dos exames, é uma patetice, serve apenas para entreter papalvos, provocar
orgasmos pobres a jornalistas pedantes, e talvez ajudem a vender publicidade
televisiva e molhinhos de papel de jornal a 80 cêntimos, as 48 páginas.
As nossas escolas precisam e devem ser avaliadas. Foi isso que se começou
a fazer nos últimos anos. Mas a seriedade da avaliação das escolas não se
compadece, nem tem como fundamento principal, os resultados dos exames e a
ideia parva dos rankings.
Se o ministro David Justino, entende que deve premiar as escolas e os professores
que melhores resultados obtêm nos exames nacionais, terá de assumir as consequências.
Educar e ensinar não é a mesma coisa que preparar para exames. Assuma então
o senhor ministro, com clareza, que a partir de agora, tudo o que se faça
na escola e que não seja instruir para os exames, é coisa nociva e condenável.
Assuma que quando os professores fazem reflectir nas classificações internas
outras aprendizagens e aquisições dos alunos, que não se medem em testes e
exames, que considera incorrecto esse procedimento. Mande o senhor ministro
alterar os objectivos do ensino em Portugal. Simplifique tudo num só objectivo:
? os professores devem consagrar todos os seus esforços a treinar alunos,
para fazer exames nacionais. Retire o senhor ministro às escolas, toda a carga
educativa que lhe está atribuída e que não se reflecte no resultado dos exames.
Deixe-as só com a tarefa de preparar os exames nacionais. Assuma as consequências.
Simplifique senhor ministro, simplifique. Deixe claro que a sua escola não
precisa nem quer professores, menos ainda, educadores. Diga frontalmente,
que o que quer, são explicadores de conteúdos disciplinares. Assuma o fim
das actividades educativas. Transforme cada escola num centro de explicações.
Só então poderemos falar de rankings a sério, mas não de escolas, mas de centros
de explicações. Teremos, provavelmente, bons resultados nos exames nacionais
e novas gerações de gente tão rasca e estúpida, como aquela que agora nos
governa. Na educação e na comunicação social.
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 11, Novembro 2002
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Autoria:
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
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