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O ensino superior e o mercado de trabalho

Por que razão a comunicação social deu um tão grande destaque ao desalento de candidatos a professores e de docentes com vínculo precário perante a publicação das primeiras listas de colocação?

O anúncio do projecto de extinção e de suspensão de cursos no ensino superior com uso do estrito critério das saídas profissionais, ainda por cima circunscrevendo um tal propósito a certas formações como seria o caso das que visam prioritariamente a preparação de professores, se pode espontânea e transitoriamente suscitar uma adesão emotiva, revelará a prazo, necessariamente, todos os inconvenientes das medidas avulsas e precipitadas. Importa, pois, avaliar serenamente ? e, apesar de tudo, enquanto é tempo! ? os pressupostos e consequências previsíveis deste problema.
Antes de mais, ponderemos as razões próximas de uma decisão política que, sendo, na sua substância, o mero anúncio de uma intenção, é, todavia, em si mesma, perturbadora.
De entre as suas causas próximas destaca-se a mediatização do desalento de candidatos a professores e de docentes com vínculo precário perante a publicação das primeiras listas de colocação. Registe-se que há mais oportunidades.
Por que razão a comunicação social deu um tão grande destaque a esta ocorrência? Pela massificação do fenómeno, ou seja, por haver num mesmo momento muitas pessoas a verem as suas esperanças frustradas, ao lado de algumas que alcançaram os seus objectivos. Mas que aconteceria se, por hipótese, fossem lançados outros concursos nacionais para a atribuição de milhares de lugares (e de correspondentes não-lugares) a licenciados em farmácia, em direito, em gestão, em comunicação social ou até mesmo a candidatos credenciados com muitos dos cursos profissionais existentes, inclusive em áreas técnicas de ponta ? Com certeza que, de igual modo, explosões paralelas de alegria e de tristeza intensamente difundidas pela rádio, pela televisão e pela imprensa... Significa isto que, logo no dia seguinte, o governo deveria anunciar cortes nos contingentes de entrada nos respectivos cursos? Com certeza que não!
Primeiro, porque o desemprego em ebulição é tão grave como aquele que cresce em lume brando; depois, porque, mesmo em termos estritos de formação profissional, esta deve ser vista como uma formação para o trabalho e não tanto como uma tramitação para um emprego. Consideração que, se acarreta uma alteração de perspectiva dos responsáveis políticos, implica também uma renovação de mentalidades a nível das instituições de ensino superior (e não só!) e dos próprios jovens. Questão que nos leva muito para além do imediatismo ideológico e nos obriga a mergulhar bem fundo nos impasses de uma educação que desde a família até â escola - passando nomeadamente pela televisão - tende a privilegiar o sucesso encantatório, a instantaneidade dos processos e a dicotomização das representações em desfavor do realismo e da necessidade do esforço, da perseverança, da construção criativa, da complexidade e das frustrações que, por via de regra, constituem os pilares ? desejados ou insejáveis - do cenário de uma vida que, para lá das ilusões demagogicamente criadas, contraditoria e paulatinamente continua a exigir vontades qualitativa e quantitativamente acrescidas.
A democracia não pode continuar a privar a generalidade dos jovens de competências psicossociais de base para depois ampliar, com a lente das cãmaras e a retórica dos discursos, as lágrimas de uma vitimização que, em última instância, traiçoeiramente os destrói.
Um licenciado é à partida detentor, em todos os casos, de uma apreciável mais valia que, se lhe confere a capacidade de procurar um emprego, terá igualmente de lhe proporcionar competências para criar empregos (incluindo naturalmente o seu), especializar-se, reconverter-se, etc. , ou seja, adaptar-se, inovando. Estas serão, indubitavelmente, entre outras, as dimensões sociais e pessoais da cultura que interessam à sociedade e aos indivíduos.
Ao Estado compete proporcionar uma informação rigorosa e autenticamente prospectiva sobre a evolução sócio-económica do país de que decorrem as perspectivas de trabalho. Isto é, compete-lhe assegurar a liberdade de escolha esclarecida e fundamentada. Impor, neste domínio, opções prévias - ao ensino público e até ao privado ! ? com base numa planificação de contornos duvidosos, viola a cultura democrática e compromete, a prazo, a dinâmica do sistema social e económico.
Planificar burocraticamente ao sabor de rompantes é uma outra forma de vacilar e, acreditem, o país já está quase exausto.
Já agora:
- Lembram-se do que aconteceu na sequência da antecipação da idade da reforma dos professores do 1º ciclo?
- Sabem que um fenómeno em vias de alastramento pela Europa é o da crise das vocações para a docência?
E depois?...Chama-se, como com os enfermeiros, professores espanhóis?
Já agora também:
Com certeza que sabem que a Europa desenvolvida tem licenciados a mais ...
Será isso: nós, pelo nosso lado, vamos dar uma lição continuando a ter , não licenciados, mas analfabetos a mais. Eles nem sequer aparecem a não ser escondidos debaixo das estatísticas...


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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