Página  >  Edições  >  N.º 115  >  A curiosa critica do professor António

A curiosa critica do professor António

Como leitora da Página da Educação e eventual colaboradora, venho manifestar minha indignação com os termos do texto publicado pelo Senhor António Manuel Batista sobre o que ele chama de “A Curiosa Ciência do Professor Boaventura.
A ignorância agresssiva com a qual o senhor Antônio Manuel Batista se dirige ao trabalho de BSS beira o insuportável. Não sabe ele, como físico, que as teorias científicas não são estáticas exatamente porque, ao perceberem e confirmarem uma determinada “verdade” dentro do limite dos objetivos que se dá o pesquisador em um momento determinado, esconde ou não sabe outras à primeira relacionadas? Será que ele ignora que as verdades de Einstein e de Hawking são diferentes das verdades de Heisenberg e Prigogine, o que significa que o fazer ciência inclui competição entre entendimentos diferentes sobre o real? Descartando uma possível e imperdoável ignorância deste físico a respeito do que digo, só posso entender a absolutização dos avanços científicos e das verdades por ele produzidas com a qual se opõe ao trabalho de BSS como um ato de má-fé. Até os cientistas precisam vender livros!
Com relação ao caráter não social e mutável da ciência, pergunto: Será que o Professor nunca apresentou ou avaliou um Projeto de Pesquisa científica? Nessas avaliações, a relevância social do estudo é um dos critérios para o financiamento ou não do trabalho. Será que a relevância social não é motivo suficiente para afirmarmos que a ciência e sua evolução são “socialmente determinadas”?
Para além dessas questões, o Professor parece ignorar que BSS não é um não pesquisador errante. Suas críticas dão seguimento a muitas outras, às quais talvez valesse a pena o senhor Batista ter acesso, para evitar o ridículo de se opor de modo tão primário e precário a um representante de uma corrente de pensadores, advindos das mais diversas áreas do pensamento científico, que vem confirmando através de numerosos estudos a pertinência e a relevância dos escritos de BSS. Cito alguns: Kuhn, Prigogine, Stengers, Feyrabend. Maturana. Talvez alguma leitura ajudasse.
Com relação ao exemplo do texto, gostava de lembrar ao Senhor Batista que, se a existência do átomo é certa, são menos certos os seus comportamentos e transformações, que ainda consomem muita pesquisa e muito debate na área. Quanto à evolução biológica, até no Canal Discovery pode se ver informações mais bem fundamentadas cientificamente do que o infantil argumento desenvolvido por Batista.
No que se refere à realidade, dá-me pena ler um texto onde um suposto cientista questiona a idéia de que há, no mundo real, inúmeras possibilidades inscritas e que serão ou não desenvolvidas de acordo com as escolhas que fizermos, sem falar nas existências invisíveis a certas abordagens que, nem por isso, são menos reais. O objetivismo tacanha – que ele chama de objetividade - que tantos males já causou ao nosso mundo precisa se opor à objetividade séria e responsável, pois nela não há espaço para as absolutizações que impedem pensar o desenvolvimento do mundo como derivado daquilo que escolhemos fazer, permitindo-nos nos isentar das nossas responsabilidades sobre as conseqüências do que fazemos.
Se o conhecimento científico não é uma construção social ele é o que? Qual a ciência que já foi produzida fora das sociedades, das preocupações e prioridades que ela se dá e das possibilidades que ela cria de tornar real aquilo que imagina e deseja? Assim as sociedades investem no desenvolvimento da ciência, muitas vezes sem perceber que os resultados dos avanços podem ter conseqüências indesejáveis, conforma afirma e BSS e com o já sabido e difundido no mundo, até pelas autoridades internacionais que vêm tentando, com muito custo, recuperar a dimensão ética do fazer científico, esquecida por aqueles que acreditam que a ciência não é uma construção social.
Por todas essas razões, entristeço-me com o espaço desperdiçado por este jornal, que tanto aprecio, para a apresentação de um texto que não contribui em nada e para nada, ao contrário da brilhante entrevista concedida ao jornal pelo Professor Boaventura de Sousa Santos, que não deixa nenhuma margem de dúvida quanto a quem é e quem não é o cientista digno de atenção neste simulacro de debate.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Inês Barbosa de Oliveira
Fac Educação da Univ. do Estado do Rio de Janeiro, pós-doutoranda na Univ. de Coimbra
Inês Barbosa de Oliveira
Fac Educação da Univ. do Estado do Rio de Janeiro, pós-doutoranda na Univ. de Coimbra

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo