Trinta anos depois do livro de estreia (A Raiz Afectuosa, 1972)
e após tantos outros títulos, António Osório reincide agora com um novo livro,
não só para valorizar uma obra poética que se tem revelado como das mais
singulares dos anos oitenta e noventa, mas sobretudo para à beira dos seus
setenta anos reafirmar, como fez em Crónica da Fortuna (1997), que o
quotidiano mais imediato, em prosas comovidas, se prende uma vez mais ao
sentido profundo dos poemas deste Libertação da Peste.
Através dos poemas celebra-se com intencional insistência as raízes mais fundas
e longínquas vindas dos gregos ou de uma certa poesia "primitiva" e pelas
prosas, num estilo límpido e objectivo, reabilita-se a memória e os gestos de
quem se não perdeu na vida e retoma nos fios entrelaçados da própria escrita
esse propósito de uma vez mais proclamar: "Haveria sempre quem deseje /
seguir-me por dentro / das trevas, e de mim terá nostalgia, / porque eu
acaricirei as feras /e liberto da peste".
Na brevidade da sua expressão e no tom delicadamente elaborado de um "discurso
poético" cujos contornos se adivinham de livro para livro, António Osório volta
ao primeiro plano da nossa poesia e este seu Libertação da Peste é assim
mais uma pedra colocada na confirmação de uma obra que se distingue e
pessoaliza de forma inegável a sua "lavoura arcaica" no acto e no modo de
cantar e enaltecer o que é próprio das extremidades da terra e, por cima das
montanhas, de pés bem assentes no chão, ainda na memória de Orfeu, saber que
afinal
Não foi de todo em vão que perdi Eurídice:
consegui que os suplícios
dos condenados fossem interrompidos,
e que os três Juízes
chorassem com o lamento do meu canto.
António Osório
LIBERTAÇÃO DA PESTE
Gótica / Lisboa, 2002.
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