"A meu ver, são principalmente o sentido crítico e a autonomia mental
as qualidades que um professor de matemática
se deve esforçar por desenvolver nos seus alunos."
José Sebastião e Silva (1914 - 1972)
Ensinar Matemática é, desde logo, travar um combate quotidiano
para o qual se parte em desvantagem. Porque ainda os estudantes não começaram
a conhecer a Matemática que temos para lhes desvendar e já "sabem" que é "a
pior das disciplinas", que é "o terror absoluto", que é natural que não gostem,
porque," na família, ninguém tem jeito para a Matemática!"... E até algumas
figuras públicas vão dando uma ajuda ao confessarem, ufanamente, que sempre
foram "uma nulidade em Matemática!" (é curioso que não se ouça alguém dizer,
com a mesma descontracção, que nunca tiveram jeito ou nunca foram bons a Português,
por exemplo!...). Longo caminho temos ainda a percorrer no campo da consciencialização
das famílias e dos media no que diz respeito à adopção de uma atitude
positiva e construtiva face a este que é um problema nacional (mas não exclusivo
do nosso país, note-se!).
O "saber ler, escrever e contar" como equivalente à alfabetização pertence,
definitivamente, ao passado. Os cidadãos do futuro (e até mesmo, já, os do presente)
necessitam de muito mais para fazerem face aos desafios que se lhes colocam,
para terem capacidade de decidir autonomamente sobre as suas vidas, para exercerem,
em plenitude, o seu direito de opção, desde as situações mais simples aos momentos
mais decisivos. E é a aprendizagem da Matemática que fornece às crianças e jovens
algumas das ferramentas absolutamente indispensáveis para a sua afirmação como
indivíduos autónomos perante a realidade que os cerca.
A Matemática que hoje ensinamos nas escolas (e todos sabemos como é ainda longo
e exigente o caminho que há a percorrer...) deve ser um permanente apelo ao
envolvimento dos alunos na sua própria aprendizagem, um desafio continuado à
sua criatividade, um estímulo permanente ao uso equilibrado da intuição na formulação
de conjecturas, como forma de proporcionar ao estudante a apropriação das situações,
a oportunidade de exercer a sua capacidade de interpretar a realidade e de agir
conscientemente sobre ela. Este é um conjunto de condições que constitui uma
plataforma necessária para o desenvolvimento da capacidade de aprender / fazer
Matemática. A formalização da linguagem no exercício da comunicação (oral ou
escrita), a organização e o encadeamento lógico dos raciocínios fazem-se, a
partir daí, com um aperfeiçoamento gradual.
Por outro lado, na chamada "era das tecnologias", é impensável desaproveitar
as imensas potencialidades de tais ferramentas (calculadora gráfica e computador)
para a consolidação dos conhecimentos. Usar tecnologias adequadas na sala de
aula é algo que vem aumentar muito o grau de exigência do nosso desempenho quotidiano
mas é um desafio que se torna tentador pela evidência dos bons resultados que
promove a nível das aprendizagens.
Seremos tanto mais capazes de resolver um problema, quanto mais o sintamos como
nosso, quanto mais estejamos envolvidos no processo de procura de soluções.
É hoje muito claro que o processo de aquisição dos saberes matemáticos deve
ter este pressuposto como ponto de partida e é também claro que a observação
e, sempre que possível, a manipulação de modelos realistas bem como a utilização
das tecnologias, conferem à aprendizagem da Matemática um sentido e um envolvimento
que a aridez das fórmulas, das rotinas, das memorizações em série só tendem
a atrofiar.
Como é incomparável a riqueza do processo de determinação da medida da diagonal
espacial de um cubo a partir da manipulação de um modelo (de preferência construído
pelo estudante) com a da determinação dessa medida por aplicação "cega" da fórmula
!...
Por outro lado, é também muito importante que aos jovens seja transmitida a
noção de que a Matemática é um edifício cuja construção se foi fazendo por acção
da mente humana, ao longo de muitos séculos, e que esse percurso histórico,
com os seus grandes vultos (entre os quais se destacam alguns matemáticos portugueses
como é o caso de Pedro Nunes, cujo V Centenário se comemora no corrente ano)
continua, ainda hoje, a construir-se...
É, portanto, muito diversificado o conjunto de orientações a ter em conta ao
longo de todo o processo de ensino da Matemática, designadamente no Secundário.
Assim sejamos capazes de, com um persistente trabalho colectivo nas escolas,
criar formas renovadas de organizar e gerir os tempos de aula.
O trabalho de quem ensina Matemática (como, em geral, o de todos os que ensinam...)
é duro, é cada dia mais exigente, mas é todos os dias renovado porque renovada
é esta nossa vontade de contribuir para abrir portas às gerações futuras,
munindo-as de ferramentas indispensáveis para que se tornem cidadãos autónomos
e solidários.
"Um ensino da Ciência que não ensina a pensar, não é ensino da Ciência, é ensino
da submissão", afirmou Evry Schatzman, astrofísico francês.
Nada mais verdadeiro, em minha opinião.
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