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O Ciúme e a Inveja

Aos professores portugueses que ainda não desistiram; aos colegas brasileiros em luta por melhores salários; aos nossos amigos Pablo Gentili, Isabel Pricila, Raquel Moraes, o desejo de dias melhores.

Dorme o Sol (...) a flor do Chico, Meio-Dia(...)
O Ciúme lançou sua flecha preta e acertou no meio exato da garganta, que nem alegre nem triste nem poeta, entre Petrolina e Juazeiro (1) canta.
Velho Chico,(2) vens de Minas, onde o culto do Mistério se escondeu, sei que o levas todo em ti e não me ensinas... e eu sou só, eu só eu, só eu.
Juazeiro nem te lembras dessa tarde, Petrolina nem chegaste a perceber, mas na voz que canta tudo ainda arde, tudo é perda (...)

Tanta gente canta, tanta gente cala;
tantas almas esticadas no curtume;
sobre toda a estrada,
sobre toda a sala,
paira a tenebrosa
sombra do Ciúme! (3) (4)

Nunca é demais referir a poesia, música ou literatura desse País chamado Brasil. Dizem recordações (talvez toldadas pelo tempo e más experiências) que Os Lusíadas terminam com a palavra "inveja". Já nem sabemos se é verdade, neste País de parcos horizontes, inventor do Saudosismo de Teixeira de Pascoaes, praticante da intriga, dos curtos horizontes, da mendicândia letal. As mentes grandes discutem ideias; as pequenas discutem pessoas, escreveu-nos a nossa colega Raquel Moraes, da Universidade de Brasília.
Conhecemos a Ana, docente que procura trabalhar em situações muito difíceis: vive num País aonde o governo corta nas despesas da Educação para acertar nas contas do Estado: umas vezes parecem bem feitas, outras mal, outras vezes assim assim, como que feitas a contar pelos dedos, à reguada, lembrando escolas velhas... A Ana tem uma sala pequena, tem cada vez mais alunos a entrar pela porta. São aos mil de cada vez. Ela não quer fechar a porta aos alunos, aquela que outros se encarregarão de fechar a uma juventude condenada a becos sem saída. Muitas vezes a Ana não é entendida. Se calhar era melhor fechar-se na sala, saltar pela janela, ir para a Nova Zelândia criar carneirinhos!
As Anas deste País desesperam nas aulas; andam cansadas, já pensam na aposentação, mas ainda faltam séculos para lá chegarem. Mesmo assim é o Ciúme (inveja?) quem às vezes lança a sua flecha preta, acertando-lhes no meio das gargantas.
Estamos em tempo de Natal. Esperemos que esta época de amor universal apazigue as almas enfurecidas e as transforme em almas caridosas. Ao menos, neste Natal, às Anas, que não façam mal! É a prenda que lhes cabe neste latifúndio...

Carlos Alberto Mota e Maria Gabriel Cruz / UTAD
  1. Cidades de Pernambuco;
  2. Chico: o rio S. Francisco, que nasce em Minas Gerais e desagua entre Alagoas e Sergipe (também conhecido como "Velho Chicão");
  3. Ciúme: música popular nordestina, Brasil, in "O Essencial de Maria Bethânia", CD, Focus, Brasil; Maria Bethânia e Gal Costa (Produzido por Nancy Ypsilants) (P) 1988.
  4. A pontuação dos versos foi adaptada pelos autores deste texto.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 108
Ano 10, Dezembro 2001

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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